Se você olha para o céu e pensa na vastidão que nos cerca, que a Terra - com bem disse Carl Sagan - é apenas um pálido ponto azul, lembre-se da imensidão das coisas minúsculas que passeiam pelo ar, através do nosso corpo, abaixo de nossos pés, dentro da terra, da água, das células, das moléculas, dos átomos. Há neste mundo invisível, tão invisível quanto o grandioso universo e todas as suas galáxias, também muito de espantoso, terrível, maravilhoso e misterioso.
Não há, no meu modo de ver, música que retrate melhor o futebol do que o choro "Um a Zero", de Pixinguinha e Benedito Lacerda. Em especial o futebol brasileiro, aquele que durante décadas e mais décadas foi considerado por público e crítica o melhor do mundo (mesmo quando não vencia a Copa). Sempre que a ouço, nos mais variados arranjos, com os mais diversos feras do chorinho, logo me vêm à memória imagens de Garrincha dominando a bola, levando adiante, encarando um, dois, três marcadores, driblando, parando, fingindo avançar, voltando, colocando o pé sobre a bola, dando uma paradinha, um tapa nela pro lado direito e se livrando de mais um "joão", chegando fácil à linha de fundo e com a aproximação de mais um adversário, retorna para entrar na área...
Garrincha em ação na Copa de 1962
Porém, as imagens que fizeram a música surgir são bem mais antigas. Em 1919 - portanto 14 anos antes de Manoel Francisco dos Santos, o Garrincha, nascer em Pau Grande, interior do Rio de Janeiro -, o mestre Pixinguinha, um dos maiores compositores da História da música, e seu parceiro Benedito Lacerda compuseram "Um a Zero" em homenagem à vitória da seleção brasileira sobre o Uruguai, na final do Campeonato Sul-Americano, pelo placar que dá título à obra-prima. A dramática partida foi realizada no dia 29 de maio daquele longínquo ano, no estádio das Laranjeiras, construído especialmente para aquela competição, que reuniu ainda argentinos e chilenos. O gol da vitória foi marcado na segunda prorrogação, aos 122 minutos de jogo (!), por Arthur Friedenreich, "El Tigre", apelido que ganhou dos uruguaios justamente por este feito histórico. Friedenreich já foi tido como o maior artilheiro da História do futebol, mas há muitas controvérsias em relação ao número de gols que marcou ao longo de sua carreira, no período amador do futebol brasileiro, que vai até 1933.
Friedenreich
Certamente a emoção da conquista, a segunda da seleção brasileira (a primeira foi a Copa Roca de 1914), inspirou os dois artistas a criarem uma música à altura. Conseguiram, talvez até tenham superado. Muitos anos depois Nelson Angelo pôs letra neste chorinho, porém isso nem sempre me agrada, prefiro quase sempre a versão instrumental. Mas esta é outra discussão para uma outra hora. Fiquem abaixo com Pixinguinha neste clássico "Um a Zero".