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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

UM ÍNDIO AO PIANO NO MUNICIPAL

Ver-se diante de um instrumento, frente a uma numerosa platéia e ter de compor ali, na hora, as músicas que - todos esperam avidamente - vá engrandecer a noite de cada pessoa presente, é tarefa que só alguém dotado de extrema coragem, concentração e capacidade criativa pode se dispor a fazer. Eu, que aprendi a respeitar todos os meus fluxos criativos e a ter paciência para aguardar as dores do parto para manusear e trazer à luz meus pensa-sentimentos, talvez tenha é arrumado uma desculpa elaboradamente convincente para não ter de encarar solitariamente, sem nada previamente em mente e no coração, o terrível olhar esbranquiçado do papel - ou da tela.

Keith Jarrett se propôs a isso mais uma vez, e na última quarta-feira, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, compôs frente ao público músicas que jamais tocará novamente. São natimortas. Sim, algo sempre fica com artista e público, ainda mais se for gravada a apresentação, mas como cigarras, entoam e morrem. Dignamente.

No entanto, em minha memória ficará para sempre a última improvisação da primeira parte do espetáculo. Jarrett tocava e dançava ao piano como um indígena, como foi bem observado - em conexão com o que eu via, ouvia, sentia - pelo meu irmão Bruno Lobo. Em tempos como esses, nos quais os guarani-kaiowás encaram de frente a morte digna, para não viverem a vergonha e a indecência impostas pela expulsão de suas terras, é algo bastante representativo. Talvez o pianista tenha entrado em contato com seus ancestrais, recebido alguma onda magnética solidária dos apaches para tirar das teclas de seu piano - praticamente tocado o tempo todo do meio para a sua esquerda (onde estão as notas mais graves, mais introspecivas) - a música dos índios.

Só faltou fazer chover.

E me fez tremer ao pensar no papel - e na tela - em branco. E no prometido suicídio coletivo dos índios.
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