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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

CLARICE NISKIER, DE CORPO E ALMA

"A alma imoral" é uma inusitada peça de teatro que precisa ser vista pelo maior número de pessoas possível. Os ensinamentos são tão profundos e certeiros, que a atriz Clarice Niskier se propõe a repetir partes do texto que os espectadores desejarem. A peça encerrou sua temporada no teatro Zimbienski, na Tijuca, no último domingo (16/12), mas voltará em janeiro no Serrador, no Centro do Rio. Só digo uma coisa: quem perder é mulher do padre.

Clarice Niskier. Foto: Dalton Valerio (almaimoral.com)

A peça fala basicamente dessa desobediente e rebelde que faz o mundo girar de verdade: a alma. Da tradição que representa o corpo e a traição que significa a alma, o corpo obediente e a alma desobediente. E é um espetáculo que, se não chega a subverter totalmente os preceitos da dramaturgia, desobedece sim muitas de suas "normas". A própria Clarice Niskier fala sobre isso no início da peça quando explica quando e como teve a idéia de levar o livro homônimo, do rabino Nilton Bonder, para os palcos. Ela se indaga como pode não haver ação dramática se dentro dela tantas transformações haviam ocorrido quando leu o livro. E, inspirada (inspiradíssima!) pelos pensa-sentimentos e parábolas do livro, ousou. Com brilhantismo.

Não existe um personagem, é a própria atriz que se apresenta literalmente nua para, com técnicas de interpretação, nos agulhar com verdades tão contraditórias como só o ser humano pode ter naturalmente em si, e construir, destruir e reconstruir ao longo de sua vida. E influir diretamente na vida das pessoas, como fazem há séculos os religiosos. Veja bem, os religiosos, e não as religiões. Ela e Bonder defendem que as religiões complementam-se umas às outras e não conheço uma sequer que não tenha como fundamento o amor. Repito, falo das religiões, dos seus escritos sagrados, e não do que fizeram - e fazem - com elas muitos de seus líderes e fiéis. Nenhuma pode ser apartada da Filosofia. Não tenho religião, creio em partes do que dizem e discordo de outras, penso com a alma, sou portanto imoral. Porém, fico muito à vontade para defender o que acabei de escrever.

Não há um personagem, mas Clarice ocupa todo o espaço cênico com uma apurada expressão corporal auxiliada por um grande pano preto, que serve para os mais variados figurinos. E o momento mais forte é quando ele vira uma burca. O texto é tão bem costurado, tão incômodo, comovente e ao mesmo tempo tão simples que já encomendei meu livro e mais um para dar de presente. Separei duas frases que guardei da peça para encerrar este texto e deixar quem o ler com algumas pulgas atrás das orelhas:
"A pior solidão é a ausência de si".
"Quantas vezes empreendemos todos os nossos esforços para nada".

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Homenagem ao teatro

"Fragmentos do desejo", um belo espetáculo

O teatro e o futebol

sábado, 15 de dezembro de 2012

PENSO, LOGO SINTO 12

Nunca fui músico, embora gostasse de ter sido. No entanto, tenho um amor tão incondicional pela música que tento escrever como se compusesse uma canção. De vez em quando acerto.


Vídeo: Animamusic

domingo, 9 de dezembro de 2012

O RESGATE DE MEMÓRIAS E DE UM LP PERDIDOS AO SOM DO SUPERTRAMP

Em épocas de vacas magérrimas andei vendendo uns LPs que tinha em casa. Um deles, o primeiro de rock que comprei, sempre me causou arrependimento: "Paris", o duplo ao vivo do Supertramp. Os motivos são obviamente o valor sentimental, e também porque o repassei para um colega do jornal "O Fluminense" com os encartes, com as fotos do antológico show, que me haviam sido dados por Big, meu mais que amigo, um irmão. Quando me dei conta da burrada que fiz, já havia perdido os discos que tantas vezes ouvi com emoção e os encartes, com um papel de qualidade da época do lançamento do LP no Brasil e não o posterior, bem vagabundo, dos tempos do famigerado Plano Cruzado. Agora, com o lançamento do DVD "Live in Paris '79", que já adquiri e vi uma vez, resgato muito daquilo que perdi, vivi e imaginei.

A primeira vez que ouvi um disco do Supertramp foi justamente esse, o mais importante do grupo, um LP duplo ao vivo que registrava uma turnê de 1979 na capital francesa. Lançado em 1980, fui me deparar com ele na casa de um grande amigo no início daquela década. Já conhecia "The logical song" e "Take the long way home", duas faixas que haviam tocado muitas vezes nas rádios FM desde que o LP anterior "Breakfast in America" (1979) havia sido lançado, mas isso só soube alguns anos depois. Nenhuma das outras músicas eu conhecia e fiquei paralisado, querendo escutar sem parar.

Pouco tempo depois teria o meu exemplar, mas com uma pequena decepção: sem os encartes com as fotos do show que havia no disco de Francis, amigo de Kunta, na casa de quem estávamos. A partir daí ouvi aqueles dois LPs uma infinidade de vezes, inclusive em fita cassete, pois o gravara para continuar curtindo no meu velho gravador a pilha nas muitas viagens de carro que fizemos, eu e minha família, a bordo da velha Brasília 1975 de meu pai. Além do futebol e dos grandes amigos que já tinha e os que foram conquistados, foi principalmente a música do Supertramp que me salvou de mim mesmo na adolescência. Época muito complicada que encobriu com uma grande sombra a alegria natural da infância. Meus anos de chumbo tardios.


Escutando quase sempre deitado no sofá ou no chão da sala no moderno aparelho de som que tínhamos em casa, com um headfone confortável e de excelente qualidade, eu podia ouvir detalhes das músicas e da reação do público parisiense. Quantas vezes não me arrepiei com os mesmos pontos do disco, num eterno retorno de emoções. E ficava com aquelas músicas na cabeça o dia todo, mesmo sem entender muita coisa das letras, mas intuía o tema, o ambiente, o som me levava a muitos locais meus que desconhecia e a outros, como Paris, que até hoje não conheço. E aquilo me impulsionou a escrever, algo que já fazia muito esporadicamente, mas que se tornou mais intenso. Só muitos anos mais tarde viria a descobrir que não teria como me apartar disso nunca mais.

Depois de "Paris" comecei a comprar os outros LPs do grupo, porque queria conhecer mais músicas e saber mais sobre Roger Hodgon (composições, voz, teclados e guitarra), Rick Davies (composições, voz, teclados e harmônica), John Anthony Helliwell (sopros, teclados e voz de apoio), Dougie Thomson (contrabaixo e voz de apoio) e Bob Siebenberg (bateria) e a história deles. Não recordo a ordem de aquisição, mas imagino que tenha sido esta: "Even in the quietest moments" (1977), "Crime of the century" (1974), "Breakfast in America" (1979), "Crisis? What crisis?" (1975), "Indelibly stamped" (1971) e "Famous last words" (1982), que acabou sendo mesmo as últimas de Hodgson na banda, para minha tristeza. Nunca consegui encontrar o primeiro, de 1970, que tinha o nome da banda, mas a internet já me permitiu não só finalmente conhecer a capa - que nos 80 já me diziam ter uma flor, mas nunca me mostraram - como ouvir todas as faixas.

Davies e Hodgson sempre casaram perfeitamente suas excelentes vozes desde o início, embora o som do grupo nos dois primeiros discos fosse mais sombrio e bem diferente do que se tornaria a partir do monumental "Crime of the century", o primeiro com Helliwell, Thomson e C. Benberg (como o americano grafava seu nome por estar clandestinamente na Inglaterra) a formar o quinteto titular no coração dos fãs. "If everyone was listening", única faixa não incluída em "Paris" deste LP de 1974 é tão boa quanto as outras sete. Os arranjos muito bem elaborados e as quebras de ritmo no meio das músicas, com uma mescla de jazz, blues, rock e pop, e letras de questionamentos profundos e ótimo humor, para mim sempre foram a grande marca da banda. Soube usar o pop com muita inteligência e originalidade, tanto que não conheço até hoje nenhuma banda semelhante. Se alguém conhecer que me apresente.


Depois que Hodgson deixou a banda ainda comprei os dois LPs seguintes ("Brother where you bound", de 1985, e "Free as a bird", de 87) e o primeiro solo do dono da voz aguda do Supertramp, "In the eye of storm", de 1984, mas nenhum me agradou por completo. Tive depois a oportunidade de ver o Supertramp na Apoteose, em 1988, e Hogdson, no antigo Metropolitan, dez anos depois, mas ficou claro para mim, tanto num espetáculo como no outro, a falta que um faz ao outro.

Supertramp está longe de ser a melhor banda da história, com o passar do tempo ela deu lugar a muitas outras na minha vida e perdeu o posto de predileta para o Pink Floyd já tem muito tempo. Mas ela sempre ficará guardada em mim com muito carinho, pois como disse acima ajudou a tornar a minha adolescência mais tolerável e me abriu muitas portas, de sensações e percepções.

P.S: uma briga judicial ameaça impedir que o DVD continue à venda. Portanto, quem quer adquiri-lo é bom ser rápido.

 

Ilustrações: capa do DVD "Live in Paris '79"; Roger Hodgson, Dougiew Thomson e John Anthony Helliwell; capa do LP "Paris" e Roger Hodgson e Rick Davies.

Vídeo: "Crime of the century (Hogson/ Davies), Supertramp.

sábado, 1 de dezembro de 2012

ESTILHAÇOS 6

Dizem por aí que o fim do mundo está próximo, mas o mundo já acabou. Vivemos apenas os ecos de um berro muito antigo e os reflexos de um espelho quebrado há muitos séculos.

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