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domingo, 31 de agosto de 2014

ABJETA E SUBLIME CONDIÇÃO HUMANA

Desesperançar-se e esperançar-se, eis a mola-mestra da vida. Terminei de ler o contundente livro-reportagem “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex, e vi mais uma vez como a raça humana é capaz das mais abjetas ações – e omissões – e das mais sublimes também. Mesmo tendo a plena consciência de que convive em mim (e em todos os seres humanos) o que há de pior e de melhor, não me vejo capaz de fazer nem de perto o que foi feito com as pessoas que foram internadas no antigo Colônia, manicômio da cidade mineira de Barbacena.

Nem sendo um dos muitos responsáveis diretamente pelas 60 mil mortes ocorridas naquele verdadeiro campo de concentração utilizado das mais diversas formas para degradar e reduzir a zero a condição humana (mesmo após a morte, com o lucro da venda de corpos para universidades das mais diversas partes do país). Nem enfrentando aquilo tudo com tamanha coragem, abnegação e amor para salvar alguém daquele inferno.

Daniela Arbex
Espero estar errado quanto a isto, sei que muitas vezes nos superamos, e é a partir da autocrítica, do autoconhecimento, que crescemos nas horas certas. Porém, de sã consciência, neste momento, não consigo me ver nem mesmo no lado que defenderei sempre com tanta coragem, abnegação e amor ao próximo. Não é culpa (cristã ou não) que jogo sobre meus ombros, apenas uma reflexão para tentar me entender. E crescer.

Nem como jornalista, minha profissão por 25 anos (de 1988 a 2013), creio que teria sido capaz de produzir uma reportagem tão completa e corajosa. Daniela passou a ser para mim uma referência tardia da profissão que deixei para trás. Antes dela muitos outros denunciaram o que ocorria no Colônia, localizado numa cidade com a qual tenho uma ligação familiar e por onde passei quando criança com meu falecido pai, que lá viveu quando garoto antes de vir para o Rio. Estão todos no livro, grandes homens e grandiosas mulheres.

O livro não recomendo a qualquer um ler, nem sequer observar o vasto material fotográfico de Luiz Alfredo, produzido em 1961, quando trabalhava na revista "O Cruzeiro". Somente àqueles dispostos a se defrontar e encarar de frente o quanto de desumano – e também de divino – a nossa raça encarna.

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Agro câncer

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O MEIA-ARMADOR VIROU DESARMADOR (texto de 1990)

Este texto abaixo escrevi em dezembro de 1990, e não tenho certeza se ele chegou a ser publicado no Jornal dos Sports, onde trabalhava na época. Encontrei-o, numa recente arrumação em minha casa, escrito numa lauda (que para os jornalistas mais novos deve ser algo de outro mundo) do JS à máquina de escrever (outro produto de outra era) e reproduzo aqui – com pequenas correções - porque reforça e muito tudo o que escrevi aqui e nas redes sociais durante a última Copa do Mundo, no jornal Portal Grajaú, logo após a competição disputada no Brasil, e por todos estes anos em que, pese o fato de a seleção brasileira ter conquistado duas copas do mundo (1994, com dois desarmadores e mais dois meias com funções mais defensivas que ofensivas, e 2002), fomos cada vez mais nos afastando de nossas raízes, de nossas mais genuínas características. O resultado hoje todos podem ver: um futebol baseado no chutão, na truculência e na correria, com pouquíssimos bons valores revelados nos últimos 10, 15 anos.

Para situar melhor os que não conhecem, os jogadores que me deram entrevista para a matéria são Arturzinho, ex-ponta-de-lança de Fluminense, Operário-MS, Corinthians, Bangu, Vasco e Vitória, entre meados da década de 70 e o início dos 90; Deley, meia-armador que se destacou no Fluminense nos anos 80 e também atuou por Palmeiras e Botafogo, e Ailton, volante que começou no Olaria e se destacou no Flamengo em meados dos anos 80, e depois jogou por Fluminense e Grêmio. Na época da entrevista Ailton tinha sido deslocado para a lateral-direita pelo técnico Vanderlei Luxemburgo, mas depois voltou a jogar como um típico desarmador até o fim da carreira no início dos anos 2000, apesar da declaração que encerra o texto.


Até algum tempo atrás, a maioria dos grandes times brasileiros possuía, vestindo a camisa 8 de sua equipe, aquele jogador que, com sua habilidade e visão de jogo, tinha a função de armar as jogadas ofensivas. Ele que coordenava o ritmo do time, dando maior ou menor velocidade às jogadas, dependendo do momento da partida. O meia-armador saía com a bola de sua defesa já com um jogada ofensiva “arquitetada”, parecido com o armador do basquete. E como no outro esporte, que utilizava antigamente dois, mas atualmente só usa um, o futebol brasileiro de hoje eliminou o meia-armador substituindo-o pelo desarmador. Com raríssimas exceções, os grandes clubes do Brasil possuem o cabeça-de-área tradicional, desde a época do armador, e mais um jogador para destruir as jogadas ofensivas adversárias.

O desarmador pode ser chamado de Robin Hood. Se o personagem roubava dos ricos para dar aos pobres, o desarmador, com sua pouca habilidade e grande disposição física, rouba a bola dos craques – os poucos existentes – e acaba errando o passe, dando-a a outro adversário.
Tupãzinho, autor do gol do título do Corinthians, é derrubado durante a
 final do Brasileiro de 90 contra o São Paulo. Foto: Nelson Coelho (Placar)
Na final do Campeonato Brasileiro deste ano, disputada entre Corinthians e São Paulo, ambos os times tiveram Wilson Mano e Márcio, do lado alvinegro, e Bernardo e Flávio, do tricolor, os perfeitos representantes do futebol-força que invade cada vez mais o futebol brasileiro. Na Copa do Mundo da Itália, o técnico Sebastião Lazaroni escalou, além de três zagueiros, mais três desarmadores no meio-de-campo da seleção brasileira: Dunga, Alemão e Valdo (nota: Valdo na verdade era um armador com funções defensivas naquele time). O nono lugar e as péssimas apresentações da equipe comprovam que este foi pelo menos um dos erros de Lazaroni.

Porém, se o atual treinador do Fiorentina, da Itália, insistiu com desarmadores, o novo técnico da seleção, Paulo Roberto Falcão, não parece ter aprendido com os erros do passado recente. Nos cinco amistosos da seleção sob o seu comando, ele escalou no meio-de-campo nove jogadores diferentes, sendo que cinco com características de marcação. Nos dois amistosos contra o Chile, a seleção jogou com três jogadores marcadores (César Sampaio ou Moacir, Cafu e Donizete Oliveira) e Neto no meio.

Logo Falcão, que formou ao lado de Sócrates e Cerezo um trio que se revezava na armação das jogadas e encantou o mundo em 1982, na Espanha. Não vencemos, é verdade, mas esta foi a única participação brilhante de uma seleção brasileira em uma Copa do Mundo depois da conquista da Taça Jules Rimet, em 1970, no México.

O que está levando técnicos brasileiros a optar por desarmadores? Será o futebol moderno?

Para Arturzinho (foto ao lado), que já foi ponta-de-lança, e hoje atua na posição de meia-armador no Bangu, a maior escassez acontece na sua antiga posição, pois, segundo ele, não existe mais jogadores com as características de um Zico e Sócrates – quando atuava pelo Corinthians – de participar das jogadas no meio-de-campo e chegar na área para concluir. Ele acha que a escalação de um meia-armador exige do time um quarto homem para o meio-campo atual.

- Senão, o meio fica muito aberto para o adversário. Se tiver um ponta que vá à linha de fundo e saiba marcar no meio-de-campo melhor, porque se o meio estiver com poucos jogadores na hora de o adversário atacar, a defesa ficará sobrecarregada – explicou Arturzinho.

Para o meia-armador Deley (foto abaixo), que começou sua carreira no Fluminense como cabeça-de-área, e que está sem clube atualmente, acha que os argentinos quando chamam o brasileiro de “macaquito” têm razão, pois segundo o jogador, o Brasil continua imitando o futebol europeu. Como exemplo do jogo troncudo que se pratica atualmente no país, Deley citou o jogo final entre Corinthians e São Paulo, pelo Campeonato Brasileiro, quando um jogador que não quis citar o nome (Márcio, do Corinthians) “deu porrada a partida inteira e saiu de campo ganhando todos os prêmios como o melhor em campo”. Ele critica o incentivo a este tipo de jogo:

- Em 1974, a Holanda deu um show e alguns de nossos treinadores por confusão ou por acomodação acharam que o futebol moderno era parar as jogadas do adversário a qualquer custo e não ocupar todos os espaços do campo, como fez a seleção holandesa na Copa da Alemanha.

Como exemplo de time vencedor que não precisou de nenhum jogador de choque, Deley cita o Flamengo do início da década passada, quando foi de campeão estadual a mundial interclubes. Ele disse que torce sempre para os times dirigidos pelo técnico Telê Santana, que apesar de não conhecê-lo pessoalmente, é considerado pelo apoiador um treinador que faz o seu time jogar futebol. O jogador acredita que somente com esta filosofia o futebol brasileiro voltará a atrair grandes públicos aos estádios.

- Além disso estamos num processo vicioso em que o juiz não aplica a regra, o técnico não quer perder o emprego, entre outras coisas – concluiu.

Ailton (foto ao lado), do Flamengo, que sempre fez da força física e da resistência as suas maiores armas no futebol, depois de ser muito criticado como meia, agora quer se firmar como lateral-direito e pensa até em seleção brasileira. O novo técnico de seu time, Vanderlei Luxemburgo o considera um dos melhores laterais do país. O jogador acha que na lateral ele ficará mais à vontade e livre das pressões da torcida e da imprensa esportiva.

- Fico feliz com os elogios e tenho certeza que não quero mais voltar para o meio-de-campo – declarou.

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