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sexta-feira, 28 de outubro de 2022

MÚSICA PRA VIAGEM: TEM GENTE COM FOME

A primeira vez que ouvi a música "Tem gente com fome", de João Ricardo e Solano Trindade, não tem muito tempo. Dez anos, talvez, mais, menos, não sei bem. Não fosse a censura dos desgovernos militares, certamente já a conheceria bem antes. Soube por Ney Matogrosso, em entrevista a Charles Gavin, no ótimo programa "O som do vinil", do Canal Brasil, que ela era para ter sido gravada ainda nos tempos de Secos e Molhados. E que depois ele foi tentando incluir em seus álbuns solo até que conseguiu em 1979, no seu quinto disco, "Seu tipo", tema do programa supracitado. "Acho que os censores estavam distraídos", disse Ney.

Não tenho carro, por isso ando muito, pelas cidades, onde meus pés alcançam. E, como gosto de observá-las, sempre atento aos sinais (como aqueles que me mostraram um futuro Estado pseudo-religioso no Brasil há cerca de 30 anos), vejo ano a ano, especialmente nestes últimos 4 tenebrosos sob o comando de um celerado (infelizmente) adorado por dezenas de milhões, o aumento vertiginoso de moradores de rua e pedintes. Para ficar só com os últimos dois, três meses, fui abordado dezenas de vezes por pedintes em Florianópolis, São José (SC), Rio de Janeiro e Curitiba, onde fiquei por apenas cerca de 30 horas e 4 pessoas me pediram comida ou dinheiro em diferentes bairros. Surpreendentemente, com exceção de alguns no Rio, todos muito educados.

Quem só sai de seus condomínios de luxo em carros blindados para escritórios suntuosos, e de lá voltam para sua segurança residencial, vive numa bolha que mantém seus olhos e ouvidos tapados pros que têm fome. Mas o trem não pára. E certamente não será comunismo algum - inventado ou verdadeiro - que invadirá mansões e apartamentos para tomá-los de seus donos. Se a toada continuar neste ritmo, serão as dezenas de milhões de famintos e miseráveis que sairão da letargia e desnutrição para arrancarem uma força descomunal, sabe-se lá de onde, para tomarem para si o que lhes negaram. Exclusão gera exclusão, inclusão gera inclusão.

Enquanto isso, o freio tenta parar, calar, mas o trem segue a toda, cantando nos trilhos enferrujados, carcomidos: "Tem gente com fome, tem gente com fome, tem gente com fome, tem gente com fome, tem gente com fome...".     



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