Esta partida amistosa, realizada em meio às eliminatórias sul-americanas e europeias da Copa do Mundo de 1978, foi uma das primeiras a que assisti da seleção e, por mais contraditório que possa parecer em relação ao título do texto, foi meio decepcionante, apesar dos grandes jogadores em campo. A seleção brasileira abriu 2 a 0 e parou para assistir ao time de Platini, Didier Six e Tresor passear em campo e empatar o jogo.
Naquela noite, em 1977, a torcida brasileira no Maracanã, revoltada com a equipe que tinha Rivelino, Cerezo, Roberto Dinamite, Leão, Luís Pereira, Edinho entre outros (Zico não jogou, devia estar machucado), gritou "França, França, França..." Repare no gol de Tresor uns torcedores pulando de alegria na antiga geral.
Os castigos viriam nas Copas de 1986, 1998 e 2006.
FICHA TÉCNICA
BRASIL 2 X 2 FRANÇA Amistoso Data: 30/6/1977 Local: Maracanã Renda: Cr$ 3.352.630,00 Público: 83.517 pagantes. Gols: Edinho, aos 28 minutos do primeiro tempo; Roberto Dinamite, aos 4; Didier Six, aos 6, e Tresor, aos 40 do segundo tempo. Árbitro: Romualdo Arpi Filho. BRASIL: Leão; Zé Maria (Orlando Lelé), Edinho, Luís Pereira e Rodrigues Neto; Toninho Cerezo, Paulo Isidoro e Rivellino; Gil, Roberto Dinamite e Paulo César Caju. Técnico: Claudio Coutinho. FRANÇA: Rey; Janvion, Tresor, Bossis e Rio; Bathenay, Sahnoun e Platini; Zimako (Rouyer), Lacombe e Six. Técnico: Michel Hidalgo.
Em um texto que escrevi há uns dez anos e que dou por perdido – infelizmente – defendia uma tese de que o Brasil antes mesmo de uma crise ética enfrentava uma grave crise estética. E que esta seria determinante para a outra. Hoje já não tenho mais tanta firmeza em fazer esta afirmação, pois pelo que tenho observado e lido as duas crises se agravaram tanto e se entrelaçam de tal maneira que não dá mais para saber onde começa uma, onde termina outra.
Não há dúvidas de que economicamente hoje o país é mais seguro, principalmente para quem conviveu com a hiper-inflação dos anos 80. Mas desde 1964, a base da nação vem sendo corroída e o que se pensou ser uma responsabilidade dos governos militares, já passados 25 anos desde que o último fardado se foi do Poder Executivo, não dá mais para acusá-los. Todos os civis que comandaram este país a partir de 1985 mantiveram a (falta de) política pública dos militares nas áreas da saúde e da educação, que são os alicerces de uma nação. E hoje, ainda mais que há 40, 30, 20, 10, 5 anos, são praticamente só os privilegiados financeiramente que têm acesso a hospitais, clínicas, colégios, cursos e universidades privados e também públicos de boa qualidade.
Não precisa ser um gênio para perceber que neste país esses serviços essenciais são uma piada de péssimo gosto, com raríssimas exceções – e estas são frutos exclusivos da competência e da abnegação dos profissionais dessas áreas ou de esforços isolados de uns pouquíssimos governantes. A ordem implícita é a seguinte: sucateia-se o serviço público para que o privado lucre mais. Quando morei numa cidade da Região Metropolitana do Rio por 13 anos, meus filhos sempre estudaram em colégios particulares porque não havia escolas públicas de qualidade por lá e eu tinha condições de pagar. Vindo para a capital, “a cidade mais cara do mundo” segundo um conceituado e riquíssimo técnico de futebol, desde 2007 eles passaram a estudar em escolas públicas. E é muito complicado, pois sempre há uma paralisação ou falta de profesores por qualquer motivo. Rara é a semana em que há aulas todos os dias e em todos os tempos.
Outro grande exemplo? Os planos de saúde. Só o fato de existirem já é um absurdo completo. Eles não existiriam, caso tivéssemos saúde pública decente para todos – e pagamos impostos altíssimos, sendo que um durante muitos anos foi exclusivo para esse setor. E não temos, muito longe disso. Saúde e educação neste país têm fins lucrativos. E como há milionários nos dois setores! Um deles gasta rios de dinheiro em patrocínio de um grande clube do Rio de Janeiro. E, não se enganem, tem retorno com muitas sobras garantido.
Ainda este ano (em janeiro de 2010) uma pessoa muito próxima a mim passou muito mal, e como não tinha plano de saúde tivemos de levá-la a um grande hospital público da zona norte do Rio de Janeiro. Voltasse à Terra, Dante Alighieri poderia basear o Purgatório e o Inferno da Divina Comédia naquele conjunto de prédios. Só estando lá para saber do que descrevo. Para se ter uma vaga idéia do que se passou, de 19h até pouco depois de meia-noite, que foi o tempo que passamos lá, duas pessoas morreram não por ausência de atendimento, mas por total falta de condições do hospital de atender bem os pacientes. E aqui entro na questão ética.
A pessoa que levei ao hospital foi atendida por alguns profissionais bastante competentes, tanto que saiu bem de lá, mas foi preciso brigar, discutir. Se não todos, mas a grande maioria dos profissionais, inclusive os competentes, era completamente despreparada para lidar com as pessoas, que estão ali porque sofrem com algum problema. Uns mais graves, outros menos, mas sofrem. Será que aulas de psicologia, ética e atendimento ao público são dadas nos cursos da área de saúde, especialmente na Medicina? Há uns dez anos, quando entrevistei o vice-presidente do Cremerj de então, tive a certeza de que não. A conclusão da história é que, reunida a família, resolvemos pagar um plano de saúde, para evitar que de uma próxima vez fosse ela a morrer num hospital imundo como aquele.
Eu nem vou falar na questão dos remédios que tantos lucros dão a médicos que receitam a DROGA “certa” aos seus pacientes. Uma percentagem do laboratório que a produziu estará garantida no fim do mês. Porque isso é uma questão que fere a lei, e nem sempre cumprir genuinamente a lei quer dizer que o cidadão tenha postura ética e é disso, desta questão mais sutil, porém importantíssima para a convivência em sociedade, de que quero falar. E da má educação pela falta de estudo à má educação por não se respeitar o outro numa fila de banco ou padaria, no ônibus, nas ruas, principalmente quando se joga lixo em qualquer lugar, faz-se barulho a qualquer hora e em qualquer local, vamos contruindo uma sociedade que valoriza o oportunismo, a extrema competitividade, o grotesco, o bizarro. E aí eu falo da estética.
Uma vasta rede emaranha tudo e uma questão influencia a outra. É só ver os ídolos e as "obras" que têm sido adorados nos últimos tempos, e quantos geniais artistas ficam completamente marginalizados e desconhecidos. Estes, ou são obrigados a procurar outro trabalho para sobreviver ou dão sorte de serem descobertos aqui e valorizados por estrangeiros ou vão viver no exterior para terem seus méritos reconhecidos e bem pagos. Isto acontece ainda mais do que há 40, 30, 20, 10, 5 anos...
Apesar da tão decantada boa fase econômica que vive o país, é fácil ver nas ruas do Rio de Janeiro – e não duvido que em São Paulo e outras grandes cidades ocorra o mesmo – como aumentou o número de moradores de rua e pedintes. É impossível sair de casa e não ver gente deitada nas ruas ou perambulando maltrapilhas sem rumo de um lado para o outro. Adultos, crianças e velhos. Fico me perguntando pela tal distribuição de renda.
Outro dia fui, depois de muito tempo, ao Centro do Rio com minha filha. Eram umas 9h e boa parte daqueles mendigos que vejo dormirem nas calçadas dos bancos e restaurantes da Presidente Vargas, desde que trabalhava lá em 1991, deitados nas calçadas centrais. Isso nunca havia visto antes, o que me faz crer que a população que vive nos cantos daquela larga avenida do Centro carioca esteja chegando a uma explosão demográfica.
E fico pensando, no limiar da questão ética – confesso – o que acontecerá com o Rio de Janeiro quando a maquiagem das UPPs e PACs terminar e começarem a chegar mais e mais imigrantes, chamados e incentivados por seus parentes e amigos que aqui vivem. Mais puxadinhos, mais gente dormindo nas ruas, mais violência, certamente. Por isso, o investimento pesado na saúde e na educação públicas em todo o país – eu disse, em todo o país – se torna tão necessária. E quando falo em investimento pesado não é simplesmente jogar dinheiro nessas áreas e depois ficar contabilizando notas, conceitos e estatísticas. É ter uma orientação, uma linha ética e estética a ser seguida para qualificar todos os profissionais e a população ser bem atendida e educada. Mas quem fala disso? Em que programa de governo está isso? Raros, raríssimos políticos, exceções que gritam no deserto, onde não há eco ou onde ele se perde na imensidão ou na multidão mais preocupada em pular e dançar.
Estamos às vésperas de mais 5 eleições importantíssimas e não tenho a ilusão de que votaremos melhor, exatamente por tudo o que escrevi acima. Os canalhas e aproveitadores continuarão a ser maioria entre os eleitos, justamente porque o povo se contenta com pouco, é muito mal educado e ainda é obrigado a votar. Ou seja, ele exerce um dever e não um direito. O que faz toda diferença.
Com todo respeito ao Vitória, que fez muito boa campanha, nenhum time merecia mais um título do que este Santos na Copa do Brasil. Se por um lado é pena que a campanha extrarodinária não tenha sido coroada com ao menos um empate no último jogo, por outro a vitória por 2 a 1 valorizou o vice do rubro-negro baiano. E mais merecido ainda foi o prêmio de melhor jogador da competição para Paulo Henrique Ganso.
Posso estar enganado - e, se estiver, alguém que visite este blog e leia este texto me ajude - mas desde Sócrates, Falcão e Leandro não vejo um jogador tão elegante em campo. Parece um mestre-sala desfilando pela avenida verde dos campos brasileiros com altivez, leveza e alegria, sem barroquismos. Parece um veterano, mais do que Robinho, o "nome" do alvinegro praiano.
Ganso é o cérebro do time, aquele jogador que andei comentando aqui de que tanto sentia falta. O que enxerga o jogo, joga de cabeça erguida, arma uma equipe com sua presença e seus passes e lançamentos precisos e ainda faz gols. Alguém sabe quem foi o cérebro da seleção de Dunga na Copa passada? Pois é, o obtuso ex-treinador da seleção o deixou fora e essa experiência pode fazer falta em 2014. Espero que não.
Até porque, Ganso joga muito justamente porque busca sempre a jogada mais simples e não a simplória, muito menos a firula, tão afeita a Neymar, por exemplo. E o mais simples para o camisa 10 do Santos é muito complicado para a maioria, que ou não sabe fazer ou quer fazer além do que deveria. Um passe seu surpreende até quem vê o jogo pela TV ou de cima no estádio e tem a visão do campo todo, deixando sempre um companheiro em condições de fazer uma jogada perigosa ao gol adversário, ou simplesmente ludibriando a marcação ou ele mesmo concluindo a jogada.
Paulo Henrique Ganso tem tudo para ser um gênio da bola, simplesmente porque não procura fazer o mais complicado, não enfeita, e mesmo assim cria, surpreende, dá beleza ao espetáculo, faz arte em campo. Enfim, dá prazer a quem gosta de futebol assisti-lo jogar. Ilustração: Fábio (http://desenhafabio.wordpress.com/) Veja também: O Cérebro do Time Beckenbauer, a Elegância do "Kaiser" Meninos da Vila: a Arte e o Prazer de Jogar Bola