domingo, 18 de outubro de 2009

OS INFERNOS DE SÃO SEBASTIÃO

Por mim se vai à cidade dolente,
por mim se vai à eterna dor,
por mim se vai entre a perdida gente.

Justiça moveu o meu alto feitor;
fez-me a divina potestade,
a suma sapiência e o primeiro amor.

Antes de mim não foram coisas criadas
se não eternas, e eu eterna duro.
Deixai toda esperança, vós que entrais.
(A Divina Comédia, Canto III, Inferno, Dante Alighieri)


Toda vez que algo mais grave que o habitual ocorre na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro as autoridades e alguns transeuntes correm logo a dizer que foi um fato isolado e que toda cidade grande do mundo é violenta. Então, se os fatos são isolados, nós cariocas não vivemos num inferno, mas em vários infernos. Junte Dante, Kurosawa, Pasolini e outros mais pra descreverem isso aqui. Eu sugiro portais dantescos para a província olímpica: “Vós que entrais deixai toda a esperança”.

Mas os entusiastas da vencedora candidatura olímpica e os turistas que pretendem vir em 2016 podem ficar tranqüilos. Em épocas de grandes eventos os canalhas oficiais e os extra-oficiais entram em acordo e nada de mais grave costuma acontecer. Há bons antecedentes: a Rio-92 e o Pan-2007. O problema é o antes e o que vem depois.

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Permitam-me por fim um depoimento pessoal para ilustrar um pouco mais este quadro grotesco. No campo de futebol onde o helicóptero Esquilo caiu e se consumiu em chamas com dois soldados dentro estive na metade final dos anos 80 com meu time de rua para um “amistoso” contra o Sampaio. Tudo ia bem até que viramos em pouco tempo o placar para 2 a 1. 

Saímos ilesos (menos um que quase teve a perna fraturada e não terminou o jogo), pois ao percebermos a presença de “autoridades” extra-oficiais bem junto à lateral do campo - já esburacado como permanece até hoje pelo que vi na TV – cedemos o empate mais ou menos como ocorreu naquele jogo do Maranhão, mas por motivos menos torpes. Assim já era o espírito olímpico do local onde se debruça o Morro São João.

Onde moro avança-se o sinal vermelho
Para se manter vivo
Onde moro se pratica o suborno
Para se garantir direitos
Onde moro se erguem muros e grades
Para se ter liberdade.

Ilustração: Akira Kurosawa
Vídeo: Episódio do filme "Sonhos", de Akira Kurosawa

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6 comentários:

  1. Bravo, Edu, bravo!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Beijão!

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  2. Gostei dos versos. É pura realidade sinal vermelho, suborno e muros. abraços

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    1. Dura realidade de nosso dia-a-dia, meu amigo. Abração, volte sempre!

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  3. Dolorosas verdades. Li Dante quando estava no segundo científico. Muito tempo, já não me lembro mais nada da Divina.

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    1. Tenho uma edição bilíngüe em casa há mais de dez anos e só li uma parte. É meu projeto lê-lo inteiro em muito breve. Abração.

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