Fui ao quarto da minha filha
desligar a televisão quando vi a imagem de um palco escuro e logo em seguida o
conhecido rosto sorridente do ator Juca de Oliveira, já num cenário bem claro.
Resolvi escutá-lo, e ao comentar sobre a peça Rei Lear, que encena como monólogo no Rio, ele disse
algo que é de uma obviedade rodrigueana (aquela que quase ninguém enxerga): “Até o
mais miserável dos mendigos tem o desejo de algo supérfluo para se reconhecer
como humano. Se ele apenas supre suas necessidades básicas, não sai da condição
de animal”. Lançou esta e completou com uma clara intenção política que quero
eliminar daqui para me ater apenas à questão filosófica: “Marx não deve ter
lido Shakespeare”.
Certo que o desejo para o ser
humano (“a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”) tendo
essa magnitude que Juca expressou por intermédio do bardo inglês passa a ser
também uma necessidade. E passando a ser mais importante que tudo, repetidamente, significa
vício. Certo também que o ser humano tendo somente
as suas necessidades básicas satisfeitas, passa a abanar o rabo e a seguir seu
dono. Não é difícil imaginar como os tiranos de todas as correntes ideológicas
dominaram - e dominam - seus povos, direcionando seus desejos (o supérfluo citado pelo ator) aos seus objetivos mais funestos.
É uma equação até fácil de se
resolver, me parece, se assemelha mesmo a uma lógica matemática. O líder supre o básico de
seus comandados e, como sabe que eles depois de algum tempo não se contentarão
só com o que lhes é oferecido, pois se entediarão, inventa um inimigo, um medo
a ser vencido, uma guerra. E assim rastejaria a Humanidade não fossem os
rebeldes, os pensadores, os sonhadores, os contestadores corajosos para pensar,
sentir e agir com independência. Aqueles que pensam por si próprios, sem se
deixar levar por ondas.
São eles que tiram a Humanidade da letargia, são eles que fazem o outro se levantar da cadeira com os olhos brilhando a enxergar um novo e amplo mundo à sua frente, com milhões de possibilidades. É ele, o poeta de todas as artes e ofícios (o artista no sentido mais amplo da palavra, abarcando todas as áreas do conhecimento), a verdadeira antena da raça, se assim Ezra Pound me permite citá-lo.
São eles que tiram a Humanidade da letargia, são eles que fazem o outro se levantar da cadeira com os olhos brilhando a enxergar um novo e amplo mundo à sua frente, com milhões de possibilidades. É ele, o poeta de todas as artes e ofícios (o artista no sentido mais amplo da palavra, abarcando todas as áreas do conhecimento), a verdadeira antena da raça, se assim Ezra Pound me permite citá-lo.
Ilustração: "Rei Lear e o bobo na tempestade", de William Dyce (1806-1864)
Vídeo: "Comida" (Arnaldo Antunes/ Sérgio Brito/ Marcelo Fromer), com Titãs
Veja também:
Fábrica de ídolos
A midiotização
A mídia bizarra