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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA - CAPÍTULO #3


Após o êxtase com a recordação da conquista do Campeonato Sul-Americano de 1919 e a apresentação de “Um a Zero” pelos Oito Batutas, quem toma a dianteira no papo entre os velhos amigos é o Idiota da Objetividade, que, amante do futebol de resultados, contesta a paixão pelo chamado futebol-arte. 

Idiota da Objetividade: - Vocês precisam ter uma visão mais pragmática das coisas. A tática, a estratégia... O jogo de futebol é igual ao xadrez.

João Sem Medo: - Sem essa, Idiota. Foi você que soprou nos ouvidos dos cartolas da CBF pra botarem o Dunga como técnico da seleção duas vezes, né?

Idiota da Objetividade: - Não fui eu, não! Quem faz essas coisas é o Sobrenatural. Mas eu achei boa a opção. Melhor vencer jogando feio, do que perder jogando bonito.

Os outros três, os músicos que subiram ao palco, algumas pessoas em mesas próximas e até o garçom protestam.

João Sem Medo: - Mas não venceu nem jogando feio, Idiota!

Idiota da Objetividade: - Venceu sim, João! A Copa América de 2007 e a Copa das Confederações de 2009.

João Sem Medo: - E serviu pra quê este torneio da Fifa? Perdemos pra Holanda em 2010 nas quartas e voltamos mais cedo pra casa.

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Zé Ary se aproxima da mesa.

Garçom: - Senhores, desculpe interrompê-los, mas recebi um pedido das pessoas das outras mesas pra ouvir a conversa de vocês. Estão todos muito interessados.

João Sem Medo: - O papo é a vida do futebol, como eu disse.

Ceguinho Torcedor: - E a verdadeira apoteose é a vaia. E como só os imbecis têm medo do ridículo, vamos estender a nossa conversa, então. Como faremos?

Garçom: - Podem se sentar àquela mesa ao lado do palco que todo mundo vai conseguir ouvi-los muito bem.

João Sem Medo: - Perfeito. Vamos, então.

Enquanto os quatro amigos trocam de mesa, aplaudidos pelos presentes, um grupo musical que está no palco se apresenta: é o grupo Francisco Lima.

Francisco de Oliveira Lima: - Senhoras e senhores, já que a conversa aqui é sobre o “foot-ball”, vamos tocar uma polca de minha autoria que foi a primeira música relacionada a este esporte gravada no Brasil. Foi em 1912...

João Sem Medo (aos amigos): - Ano em que o criador de vocês três nasceu.

Francisco de Oliveira Lima: - ... Ou 13, já não me recordo bem. Chama-se, naturalmente,  “Foot-Ball”.

Aplaudido, Francisco de Oliveira Lima e seu grupo começam a tocar.


Os músicos agradecem os aplausos e deixam o palco.

João Sem Medo: - Essa música é do tempo em que o futebol e a música do Brasil ainda eram totalmente influenciados pelos europeus, os ingleses especialmente.

Sobrenatural de Almeida: - A seleção brasileira nem existia ainda e já tinha música sobre futebol no país. Assombroso!

Ceguinho Torcedor: - Assombroso mesmo é que naquele tempo, em dias de regatas do remo, não havia jogos de futebol. Eram chamados à inglesa, de matches ou meetings no field. Depois o futebol ficou tão popular que o remo é que passou a esperar a tabela do campeonato de futebol pra marcar os dias e horários das regatas.

João Sem Medo: - O Flamengo no início resistiu muito a ter um time de futebol, mesmo recebendo nove dos onze titulares do Fluminense que foram campeões em 1911 e mais alguns sócios que trocaram de lado. Teve até um uniforme de futebol diferente do remo, que já era tradicional no clube.

Ceguinho Torcedor: - João, meus amigos, o Fla-Flu nasceu 40 minutos antes do nada. O termo, aliás é uma criação do grande Mario Filho, o criador de multidões.

João Sem Medo: - Não é por acaso que o Fla-Flu seja conhecido como o Clássico das Multidões, então.

Ceguinho Torcedor: - Pois então, o que ia dizendo? Ah sim, no primeiro Fla-Flu registrado na História, o segundo time do Tricolor, reforçado apenas por Osvaldo Gomes e Calvert, venceu o antigo primeiro time, que passou a vestir a camisa rubro-negra.

Idiota da Objetividade: - A primeira camisa do futebol do Flamengo era quadriculada.

João Sem Medo: - Que o pessoal chamava de Papagaio de Vintém.

Sobrenatural de Almeida: - Era muito feia, os jogadores até diziam que dava azar. Na verdade, andei jogando contra aquele time de desertores tricolores até arrumarem um uniforme mais bonito.

Alguns na plateia riem.

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Idiota da Objetividade: - O primeiro título rubro-negro, em 1914, só veio com a camisa cobra-coral, que tinha listras finas brancas entre as pretas e vermelhas. Os primeiros títulos, pois foi bicampeão carioca, em 14 e 15.

Sobrenatural de Almeida: - Aliás, o primeiro título de remo do Flamengo só veio depois do futebol no clube.

Idiota da Objetividade: - Também foi um bicampeonato, em 16 e 17.

Sobrenatural de Almeida: - Mas não sou muito chegado ao remo.

João Sem Medo: - Com a explosão da Primeira Grande Guerra, os inimigos alemães foram perseguidos também aqui no Brasil. Como a camisa do Flamengo era parecida com a bandeira alemã e lá havia muitos sócios alemães, a camisa e os sócios alemães foram banidos do clube.

Garçom: - Este papo sobre as origens do Flamengo me deram uma ótima ideia.

O garçom se ausenta rapidamente e retorna com o LP das escolas de samba do Rio de Janeiro de 1995. Vai à vitrola, escolhe a faixa certa e põe pra tocar “Uma vez Flamengo...”, de David Correa, Adilson Torres, Déo e Caruso (samba de enredo da Estácio de Sá em 1995).


Fim do capítulo 3

Esta série é uma homenagem especial a João Saldanha e Nelson Rodrigues e também a muitos dos artistas da música, da literatura, do futebol e de outras áreas da Cultura do nosso tão maltratado país.
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Obs.: Postagem republicada no dia 3 de outubro de 2023.

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