segunda-feira, 29 de maio de 2023

MEMÓRIAS DA GERAL DO MARACANÃ

Em entrevista ao meu amigo Sérgio Pugliese para o Museu da Pelada, o grande jornalista, comentarista, escritor Sérgio Cabral revelou que frequentou muito a geral do Maracanã na sua juventude. "Não tinha dinheiro pra pagar o ingresso de arquibancada", justificou. Essa declaração me trouxe de imediato recordações de muitos momentos que vivi no setor mais popular e pitoresco do velho estádio Mario Filho. Primeiramente me veio à lembrança o preço do ingresso, que, nos tempos em que a moeda brasileira era o cruzeiro, nos anos 70, a entrada para a geral custava Cr$ 0,30. Isso mesmo, 30 centavos, ou um pouco menos, um pouco mais, a memória trouxe o número e pus aqui, mas pode estar um pouco enganada. Só um pouco, creio.

Geral em dia de Maracanã lotado, nos anos 70. Reprodução do site do jornal O Dia

Assisti a vários jogos da geral nos anos 80, quando passei a não precisar mais da companhia do meu saudoso pai ou do pai ou tio de algum amigo para ir ao estádio. Algumas daquelas partidas são memoráveis, uma inclusive se tornou tema do Lamascast"CSA e Van Halen numa noite de verão carioca". Houve também a semifinal do Campeonato Brasileiro de 1986, entre América-RJ e São Paulo; um empate em 3 a 3 entre Botafogo e Vasco, pelo Torneio dos Campeões de 1982, que transformei em texto ficcional que publicarei no segundo Contos da Bola; o vozeirão de um torcedor rubro-negro gigantesco - pelo menos aos meus olhos de outrora - ecoando pelo estádio vazio: "Cantarelliiiii, ô Cantarelliiiii, dá na esquerda pro Júnior, pô!", e muitos, muitos outros personagens e jogos inesquecíveis.

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Quando comecei a frequentar a geral, o piso, que continuou abaixo do nível do campo até ser destruída, em 2005, era ainda mais baixo. Portanto, eu, do alto do meu 1,71m de altura (quase um pivô de basquete, não é mesmo?), pouco via realmente da partida lá embaixo. Porém, com a elevação do piso, as coisas melhoraram um pouco. Só um pouco. Por isso, mesmo depois desta obra que custou a retirada de algumas fileiras das antigas cadeiras azuis, sempre que podia, eu e quem estivesse comigo, subia para a arquibancada assim que terminava o primeiro tempo. Foi o que fiz, por exemplo, naquele Botafogo 3 x 3 Vasco citado acima. Para quem não sabe ou não se recorda, os portões do Maracanã, creio que por lei, eram abertos para quem quisesse sair ou entrar no intervalo dos jogos principais (e isso proporcionou a mim e muitos, muitos outros a assistir à parte final de muitas partidas, sem precisar pagar ingresso).

Sérgio Cabral. Foto do Museu da Pelada
Mesmo quando não ia ao estádio ou ia de arquibancada ou cadeira, a geral ganhava a atenção do meu olhar. Num tempo em que os jornais publicavam fotos abertas dos lances, flagrando quase sempre os geraldinos na hora de um gol ou um pouco antes, ficava eu mirando cada um atrás da baliza para captar a emoção que vivia naquele instante. Era um já pulando antes de a bola entrar, outro de olhos esbugalhados, mais alguém de mãos na cabeça... Uma infinidade riquíssima de sensações numa só foto que valia tanto quanto o próprio gol, fosse do meu time ou não. Na TV, aquela gente em volta do campo, bem perto do gramado, também atraía a minha atenção, mesmo com a bola rolando e muitas vezes com perigo de gol. Em dias e noites chuvosos era divertido assistir àqueles guarda-chuvas pretos (todos pretos) saltitando na hora que a bola beijava a rede. No YouTube, quem me lê agora vai poder encontrar vários exemplos que cito aqui e reviver ou ver e sentir pela primeira vez como eu nos anos 70 e 80. Veja um exemplo clicando aqui.

No entanto, o que mais me chamou a atenção na entrevista do Sérgio Cabral para o seu xará Pugliese e que me trouxe aqui para escrever este Memorial da Geral foi algo muito curioso que já tinha praticamente apagado da minha memória. Naqueles tempos de 13 a 21 anos (1980 a 87), tinha por hábito ir aos jogos no Maracanã para torcer, e depois, em casa, assistir com calma aos jogos nos videoteipes da antiga TVE (canal 2 do Rio de Janeiro, hoje chamada de TV Brasil), onde aliás vi e ouvi muitas vezes o Sérgio Cabral nas mesas redondas de domingo ou nos comentários dos jogos (aí só o ouvia). De geral só ia mesmo em jogos de menor público, então, várias vezes quando havia um escanteio no lado oposto às cabines de rádio, onde sempre ficávamos eu e meus amigos, corríamos para o local em que seria cobrado o córner e ficávamos pulando e acenando que nem malucos, sabendo que a câmera da TV focalizaria aquela parte do campo. Mais tarde, em casa, eu me deleitava pelo fato de termos aparecido na televisão. E isso se tornava assunto nos intervalos e recreio do colégio no dia seguinte ou, durante as férias escolares, no papo da rua antes de começar a pelada ou outra brincadeira qualquer.

Quanta inocência, né? Outros tempos. Tempos idos, vividos no planeta Século XX. Porém, é sempre muito bom poder contar essas histórias, relatando o que a memória captou verdadeiramente ou criando uma outra história com base na que vivi. Bem ou mal, é o que melhor sei fazer. 

Agora, depois disso tudo que narrei, o melhor que faço é assistir ao filme "Adeus, geral", que está há muito tempo na minha lista para "assistir mais tarde" do YouTube. Sugiro que você faça o mesmo (é só clicar ali no nome do filme). Até outro dia.

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5 comentários:

  1. Essas memórias da infância, da adolescência, do futebol dos anos 80, são tão parecidas e, no entanto, muito particulares em seus desdobramentos. Muito bacana o texto! Outro filme sensacional é Geraldinos! Abração

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    1. Comentário acima (ou abaixo) foi meu, Mauricio Capellari.

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    2. Bacana, Mauricio, muito obrigado. Sim, semelhantes e pessoais. Sentimentos, sensações. Fale-me de sua aldeia e estará falando do mundo. Vou procurar este filme que recomendou pra ver também. Valeu, volte sempre. Abração.

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  2. Semifinal do Brasileiro de 86, quem me visse na geral juraria que eu era torcedor do América. São Paulo passou com um empate suado.
    Leonardo Lamas Neiva.

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    1. É, Léo, estávamos lá juntos torcendo muito pelo Mequinha. No fim do jogo quase que o Gilmar deixou escapar um chute da entrada da área (acho que do Renato, que depois jogou no Flamengo, Fluminense e Botafogo). Uma pena o América estar tão por baixo nas últimas décadas. Abração, meu irmão, volte sempre.

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