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quarta-feira, 21 de junho de 2023

TRECHO DO EBOOK "ATRASADO"

Cláudio acordara além do horário naquela manhã de segunda-feira. Assim que abriu os olhos pulou da cama com tanta rapidez que é bem possível que tenha saltado ainda de olhos fechados. Não conseguira dormir direito durante a noite, preocupado que estava com as várias dívidas que havia contraído para pagar a prestação da casa - já atrasada em três meses - e as contas do mês. Além desta, agregava agora, em sua louca correria para se arrumar, a preocupação de não chegar atrasado ao trabalho.

Como não tinha crédito suficiente no banco, Cláudio resolveu recorrer a um agiota, que como todos – inclusive, e principalmente, os próprios bancos - cobravam juros exorbitantes. O salário de repórter de um jornal tradicional do Rio de Janeiro, mas de poucos leitores e recursos, mal dava para sustentar os dois filhos e a mulher, também desempregada já há dois anos. Ela vendia bijuterias de casa em casa e só conseguia pouco mais da metade do que ele ganhava por mês. A renda familiar era insuficiente para cobrir todas as necessidades. Eles apertavam daqui, empurravam com a barriga dali, e iam tentando se manter. Que não vazasse um cano do banheiro; que uma criança não ficasse doente – até porque plano de saúde nem pensar, e ficar em fila de hospital público era perder um dia inteiro de trabalho e ganhar um desconto na folha de pagamento –; que nada fora do previsto ocorresse. Esta era a reza diária desse casal com nome de dupla sertaneja: Cláudio e Cláudia.

Naquela segunda-feira, Cláudio saíra de casa especialmente preocupado também porque não conseguira dar conta do pagamento ao agiota naquele mês. Pagara somente o principal da dívida, deixando os juros acumularem em cima dos juros, acrescidos de uma multa estratosférica. Somado a tudo isso, o atraso causado pela noite em claro, em consequência da febre de seu filho menor. O atraso por causa da noite mal dormida, a noite insone por causa da febre do filho e dos problemas...

Cláudio chegava a tremer de tão nervoso. E suava. Seus poros pareciam bicas abertas, jorrando em torrentes. Tinha de estar às nove horas no Centro do Rio para uma entrevista, recomendada pelo dono do jornal, com um conhecido empresário candidato a vereador que poderia vir a ser um patrocinador de grande peso para a salvação do periódico. O patrão havia lhe explicado tudinho no dia anterior e pedira, ordenando – e até ameaçando –, que não deixasse o ocupadíssimo futuro político esperando, até porque ele tinha um compromisso inadiável às nove e trinta e quatro.

Já eram oito e meia e ele ainda estava em seu bairro, Campo Grande - ou seja, a cerca de sessenta quilômetros do centro da cidade. Teria de passar ainda no jornal para ir com o fotógrafo. “Se perder essa entrevista estou frito, estou frito!”, pensava em voz cada vez mais alta. Ele nem tomou café, saiu correndo e pegou o primeiro ônibus que apareceu. Dentro do coletivo, Cláudio estava agoniado com a hora, porém se sentiu um pouco aliviado porque, por incrível que pareça, ele não estava lotado. O motorista, no entanto, não parecia estar com tanta pressa assim, o que deixava o repórter ainda mais angustiado, nervoso, irritado, furibundo...

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