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quarta-feira, 22 de novembro de 2023

DINIZ, SERVIDOR DE DOIS AMOS

Fernando Diniz, técnico da seleção brasileira e do Fluminense. Foto: Getty
Desde que soube que Fernando Diniz havia aceitado a proposta da CBF para ser técnico da seleção brasileira (interinamente ou não, sabe-se lá se Carlo Ancelotti vem mesmo) sem deixar o comando técnico do Fluminense, logo me recordei da comédia de Carlo Goldoni, "Arlequim, servidor de dois amos" ("servo de dois mestres", ou "de dois patrões", dependendo da tradução. Prefiro a que citei primeiro).

Não que este fato seja novidade por aqui, ocorreu seguidas vezes até o fim da década de 70, mas surpreende pelo total anacronismo e também pelas sérias questões éticas que abrangem este acúmulo de cargos no futebol atual, ressaltando que quase sempre convocar um jogador de clube brasileiro é desfalcá-lo em jogos importantes. Ponha-se como atual o das últimas 3 décadas.   

Peço licença a você para resumir a primorosa comédia do italiano Goldoni que estreou em 1746. Com o objetivo de comer e viver melhor, Arlequim trabalha ao mesmo tempo para os apaixonados Florindo e Beatriz, que separados pelo destino desejam se reencontrar. Embora achasse que não teria grandes problemas ao aceitar os dois empregos, não são poucas as confusões em que se mete Arlequim, até porque o casal não sabe que ele trabalha para ambos simultaneamente.

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No caso de Diniz todos, inclusive os dois patrões, sabem muito bem a quem ele serve. Porém, o técnico também achou que não teria tão grandes problemas acumular o cargo em dois lugares de tão grande importância, porém as trapalhadas num dos empregos, o da seleção, não são poucas. 

Claro, não direi jamais que fosse fácil recusar o convite da CBF, que a meu ver nunca deveria ter feito tal proposta (até por ainda crer que Diniz não seja o mais indicado para dirigir a equipe brasileira e por achar que nunca se deveria esperar tanto tempo por outro treinador, por melhor que seja). No entanto, no meu modo de ver, Diniz não resistiu à tentação de ceder a uma ambição. 

Meu amigo tricolor Ecio, que já foi personagem em antigo texto que publiquei aqui, discorda frontalmente de mim com relação ao que chamo de ambição do treinador. Que ótimo que amigos possam discordar com argumentos plausíveis. Duro é quando são risíveis (ou, pior, choráveis). Mas isso é outro papo.

Voltando ao Diniz, que foi o tema central de dois programas do canal Comendo a Bola dos quais participei recentemente (veja nos vídeos abaixo). Com mais sorte do que juízo nas semifinais contra o Inter, o treinador acabou levando o Fluminense, com merecimento, ao primeiro título continental de sua História e obteve sua primeira conquista de grande expressão na carreira, ao derrotar na prorrogação o Boca Juniors na final da Libertadores. Mas mesmo entre torcedores de seu clube, seu cartaz ainda oscila entre o amor e o ódio.



Na Copa do Brasil, o Flu caiu nas oitavas de final para o Flamengo, um time que acumulou vexames ao longo do ano, inclusive na final do Carioca, quando foi goleado pelo próprio Tricolor, por 4 a 1. E no Brasileiro faz uma campanha medíocre. Sem mais nada a fazer, a não ser cumprir tabela na principal competição nacional (embora a CBF ache que é a Copa do Brasil), agora é ver o que o time de Diniz fará no Mundial Interclubes. 

Seu padrão (o que é preocupante, a padronização) de jogo é muito arriscado, mas até bonito de se ver. E, quando tudo dá certo, é de uma eficiência que ninguém põe dúvida. Já quando algo dá errado, ele escala um meio-campo despovoado de atletas e ideias, seu sistema defensivo bate cabeça e do outro lado há um treinador menos medroso que Eduardo Coudet e atacantes mais inspirados que Enner Valencia...

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Na seleção brasileira, onde não tem - e não terá - tempo suficiente pra treinar seus jogadores convocados (muitos dos quais apenas medianos, o que acrescenta mais um dado - ou dedo - de crítica ao seu trabalho) a coisa pesa bem mais. E, provando a lógica de que servir a dois amos no mínimo pode trazer muitos problemas, já quebrou dois recordes negativos em tão pouco tempo de trabalho: pela primeira vez a seleção perdeu 2 jogos seguidos nas eliminatórias (com o 1 a 0 para a Argentina aumentou a marca para 3) e também foi pela primeira vez derrotada em casa na etapa de qualificação da América do Sul para uma Copa do Mundo. 

Se a peça de Goldoni tinha um estilo teatral renascentista chamado Commedia dell'Arte, Diniz, contratado para fazer, com seu pretenso futebol-arte, a seleção renascer, após tantos fracassos, pode estar simplesmente dando prosseguimento à Tragédia sem Arte inaugurada nos 1 a 7 para a Alemanha, no Mineirão, em 2014.

Sangue e porrada no Maracanã

Entretanto, tragédia mesmo foram as ações e as omissões de CBF e Polícia Militar no Maracanã antes do jogo entre Brasil e Argentina começar. Um show de incompetência e violência que ganhou mundo e envergonharia qualquer sociedade. Porém, a nossa, no atual estágio em que se encontra, parece achar até divertido ou mais motivo para babar seus ódios nas redes sociais e nas ruas contra si e o inferno, ou seja, os outros.

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4 comentários:

  1. Meu amigo, em geral, concordamos, mas é natural que discordemos algumas vezes. É sinal de que usamos sempre de sinceridade.
    Por outro lado, concordo que o time do Diniz faz uma campanha medíocre no campeonato, mas, em defesa dele, é preciso ressaltar que, com o elenco limitado disponível, ele precisava mesmo priorizar a Libertadores. Um risco porque poderia ficar sem nada, mas parece que tomou a decisão certa.
    Um forte abraço!!

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    1. Sua amizade é muito valiosa pra mim também por isso, Ecio: a liberdade que temos de expor as divergências que vez por outra surge, inclusive as políticas, embora não nos encontremos em lados opostos. Sobre o Diniz, no fim, a decisão de priorizar a Libertadores acabou sendo acertada porque conquistou o título. Se ficasse pelo caminho, como quase ocorreu nas semifinais, aí o papo seria outro. E ele já estava na seleção. Obrigado pela presença constante e mais um comentário aqui. Abração, volte sempre.

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  2. O Diniz é isso aí mesmo, pode dar certo ou pode dar errado, mas independente do resultado, será sempre com emoção. Quando a razão deveria falar mais alto e ajustes táticos e substituições precisariam obedecer alguns critérios até óbvios, parece que a cabeça do Diniz se recusa ao feijão com arroz. Grande abraço! Mauricio Capellari

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    1. Pois é, meu amigo, e como diziam os antigos, tem hora que é jogar a bola pro mato que o jogo é de campeonato ou pra onde o umbigo está apontando. Essa fórmula pronta, se é que ele a carregará sempre pra todos os cantos, é um grande erro a meu ver, comum a tantos treinadores da atualidade, vide os muitos com essa característica (todos estrangeiros) que passaram pelo Flamengo nos últimos dois anos. Obrigado por ter vindo e comentado. Volte sempre. Abração.

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