segunda-feira, 23 de julho de 2012

DOM DE JOGAR BOLA E BOLERO DE RAVEL

Uma das mais cansativas e inócuas discussões de futebol são acerca do jogar bonito e perder x jogar feio e ganhar. Lógico que a vitória é o objetivo de qualquer time decente, mas os que marcam mesmo são aqueles que praticam a arte de jogar bola. Alguns nem precisaram sair com a taça para gravarem seus nomes na história. Exemplos não faltam. 

O que mais me incomoda é a descaracterização do futebol jogado no Brasil. Conversava numa rede social com um amigo da boa e velha infância sobre o aniversário da vitória da seleção brasileira na Copa de 94, completada no último dia 17. Dizia a ele que aquela equipe não me trazia qualquer boa lembrança, nem má. Acrescentava: um time acuado, medroso, que optou por jogar no erro do adversário, que sempre era muito bem aproveitado por dois craques: Bebeto e Romário. 


Porém, venceu com méritos, embora pelas circunstâncias (calor de mais 40 graus e as condições físicas precárias de dois dos principais jogadores italianos, Baresi e Baggio) levasse uma grande vantagem na final e poderia ter conquistado o caneco com mais tranquilidade, no tempo normal. Ali a seleção não jogou o futebol brasileiro, mas como ganhou veio o enfadonho debate de sempre.

Pelé dribla o goleiro uruguaio Mazurkievski, sem tocar na bola, na semifinal da Copa de 1970
           
Para mim é simples, quero ver sempre nos times brasileiros o nosso jeito de jogar, aquele que me fez querer ver e jogar futebol todos os dias na minha infância e adolescência. No entanto, a conclusão que cheguei no meio do papo é que se descaracterizamos no dia-a-dia nosso jeito de cantar, tocar, dançar, andar, falar, pensar (?) o futebol não tem como escapar disso. Faz parte da nossa cultura. 

Nada a ver com xenofobia, mas sim com a miscigenação antropofágica (se quiserem os modernistas) que sempre nos fez diferentes e um dos mais criativos povos do mundo. Mas o mundo anda cada vez mais pasteurizado e não temos feito muito para fugirmos disso. Em nenhuma área.

Ultimamente, a seleção espanhola tem sido exaltada no mundo todo, e com razão, afinal tem conseguido resultados fantásticos com jogadores excelentes em seu elenco. Mas, por favor, não comparem com o futebol brasileiro. 

A Fúria é como uma excelente orquestra sem um solista improvisador. Muito bons músicos, capazes de alguns virtuosismos, mas sempre numa toada (me permitam o termo) mais próxima do Bolero de Ravel – e aqui pego emprestada uma analogia do saudoso João Saldanha. Sempre a mesma melodia, num ritmo crescente da defesa para o ataque que vai se aproximando, se aproximando, se aproximando da meta adversária, com toques e mais toques, até conseguir o gol. Tudo muito correto, limpo, reto, muito bem ensaiado, mas sem a quebra (ou requebro) de ritmo, a inventividade, a surpresa, a magia.

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O Barcelona se diferencia da seleção espanhola porque tem um solista genial, Lionel Messi. E o futebol brasileiro, quando jogado de acordo com suas características históricas, tem pelo menos três, mesmo que haja um que se sobressaia. E joga ora em toques rápidos ou lançamentos, ora com cadência e dribles para segurar o jogo ou surpreender a marcação adversária. 

O drible é o solo, a improvisação, a fantasia em meio à harmonia e à melodia. A Fúria tem ótimo arranjo, bela harmonia, excelentes instrumentistas, mas lhe falta o toque do gênio, do craque, daquele que inventa o que ninguém espera, que sola improvisadamente num determinado momento, de surpresa, mesmo que não seja gol - vide várias jogadas de Pelé em 1970 reprisadas milhões de vezes na TV sem que a bola tivesse ganho a rede adversária. 

Não me ufano como qualquer Dom e Ravel cantando “Eu te amo, meu Brasil” apenas porque a seleção do meu país ganhou. Eu quero ver um time com a nossa marca, o nosso jeito. Porém, admito, talvez isso seja saudosismo, afinal já não somos mais os mesmos faz muito tempo.


Vídeo: "Bolero", de Maurice Ravel, com a orquestra dirigida pelo maestro alemão Andre Rieu.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

ESTILHAÇOS

Se algum dia me vir muito eufórico, embriagadamente espargindo felicidades, desconfie. Desconfie seriamente. Por trás de tanta alegria certamente haverá uma melancolia, uma angústia latente me agulhando. Sou bem comedido nos momentos felizes. Isso só se vê no olhar e num breve e sincero sorriso.

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Espiral do Tempo

terça-feira, 10 de julho de 2012

PENSO, LOGO SINTO 10

Nem direita, nem esquerda, nem centro. Nem por cima, nem por baixo. Não estou dentro, muito menos por fora. Estou fora!

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Beco sem saída
Penso, logo sinto

domingo, 1 de julho de 2012

UM FLA-FLU E UM HERÓI QUASE ESQUECIDOS NO TEMPO

No início dos anos 80, estava eu e amigos conversando na rua Grajaú sobre o que mais gostávamos de falar: futebol. Uns sentados no murinho da casa de um deles, outros no chão, mais alguns de pé ou agachados, contavam sobre jogos do passado que tinham visto ou se lembravam de terem ouvido no rádio ou lido em jornais, revistas ou livros. Naquele quase atropelo de vozes empolgadas e nostálgicas consegui contar a minha história.

"Lembro de um Fla-Flu de 76 ou 77 em que o Flamengo ganhou de 3 a 0, no Maracanã, com três gols de um cara chamado Kalu. Ele era formado no Flamengo mesmo, saiu de campo como herói, e eu fiquei achando que seria o parceiro de ataque ideal pro Zico. Mas pouco tempo depois, não sei por quê, venderam o cara pro Santos e acho que depois ele foi pro México e sumiu. Esse jogo foi num sábado à noite e ouvi no rádio na casa dos meus avós (maternos) em Olaria."

Ninguém se recordava do jogo. De todos presentes, achava que só um grande e eterno amigo tricolor poderia se lembrar, mas nem ele.

Meados dos anos 90, já jornalista e trabalhando na área esportiva, conversava com colegas na redação sobre jogos antigos e contei a mesma história. Ninguém sabia absolutamente nada sobre aquele Fla-Flu.
"Mas não tenho certeza de que essa partida aconteceu. Acho que sonhei com ela e com esse cara, o Kalu. Tem coisas na minha memória que não sei se aconteceram mesmo ou se foram sonhos."

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Nas vezes em que trabalhei no Jornal dos Sports, principalmente na primeira (entre janeiro de 1990 e agosto de 1991), em que pude várias vezes passar muito tempo no arquivo pesquisando edições antigas por conta própria ou para alguma matéria ou ficar conversando e aprendendo com o grande Geraldo Romualdo da Silva, infelizmente já falecido, perdi a chance de verificar se essa partida havia mesmo existido.

No entanto, primeiramente num livro de Roberto Assaf e depois, com a internet, já nos anos 2000, pude constatar que, apesar de algumas imprecisões da minha memória, aquele Fla-Flu não foi sonhado. Ela me voltou no fim do ano passado ou início deste quando Arthur Muhlenberg publicou no seu blog no Globoesporte.com, uma foto do time de juvenis rubro-negro na época de Andrade. 

Kalu havia sido companheiro do Tromba e foi aí que vi seu rosto pela primeira vez. Achei essa foto de novo no site "O Historiador", de Marcelo de Paula Dieguez, mas não é ela que publico abaixo, pois consegui outra com o próprio Kalu, em que ele está com três jogadores que se sagrariam campeões mundiais em 1981. 

Pesquisei muito até encontrá-lo, e fiquei sabendo por ele que antes daquele Fla-Flu tinha acabado de voltar de empréstimo de seis meses para o Fluminense de Feira de Santana (BA) e que acabou sendo escalado por Claudio Coutinho porque Luizinho Tombo se recusou a jogar sem contrato no dia do jogo e Marciano, reserva imediato, estava machucado.

Em pé: Ronaldo, Júnior, Amaro, Gaúcho, Brochado e César.
Agachados: TITA, ANDRADE, Renato, ADÍLIO e KALU.
                  
A partida foi realizada no dia 5 de fevereiro de 1977, um sábado à noite, marcava a estreia de Carlos Alberto Torres com a camisa rubro-negra no Maracanã, e acabou sendo também a de Tita no time profissional, e terminou 3 a 1 para o Flamengo, com dois gols de Kalu (e não três como imaginara) e outro de Luiz Paulo. Para o Flu marcou o meu primeiro ídolo no futebol: o argentino Narciso Doval, ex-Fla. 

No entanto, isso só soube agora, buscando mais informações sobre aquele jogo. E sobre Kalu, que tinha apenas 19 anos na época (eu tinha 10), achei-o agora, aos 55, em Cancún, no México. Falei com ele por telefone na última sexta-feira, e ele me confirma que o site Flaestatística está certo em um ponto: ele estreou justamente neste Fla-Flu. Porém erra em outro: ele não nasceu em Barra Mansa (RJ), mas em Volta Redonda (RJ), onde sempre vai, quando vem ao Brasil. 

Kalu pouco ficou no clube do coração fanático de seu falecido pai, sendo que a sua última partida pelo clube da Gávea foi apenas um mês e dez dias depois (no dia 15/3/1977). Foram somente sete jogos com a camisa rubro-negra e dois gols, justamente aqueles do dia em que foi o grande nome do Clássico das Multidões. Depois ele foi para o Santos, na negociação que trouxe Claudio Adão para o clube da Gávea.
"O Coutinho era apaixonado pelo Cláudio Adão", disse, sem qualquer amargura.

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Sócrates, o doutor da bola


Kalu disputou o Campeonato Paulista daquele mesmo ano, e posteriormente foi para o León, do México. Jogou em outros times mexicanos e acabou encerrando a carreira aos 28, 29 anos, desiludido com os dirigentes do país onde vive que o impediram de se transferir para o Málaga, da Espanha. 

Hoje ele vive em Cancún, mais precisamente em Playa del Carmen, na Riviera Maia, onde é dono de um restaurante e sócio de um hotel. A entrevista que fiz com ele contando detalhes daquela partida, com uma deliciosa história ocorrida um dia antes, quando ele nem sabia que jogaria, será publicada durante esta semana no Globoesporte.com. Veja aqui!


No próximo dia 8, quando Fla e Flu se enfrentarão pelo Campeonato Brasileiro, haverá uma grande celebração pelo centenário do clássico que começou 40 minutos antes do nada, segundo definição de Nelson Rodrigues. Poderia lembrar aqui dos vários que presenciei ou me recordo... 

... como o primeiro que ouvi, o da final do Carioca de 73, quando o Tricolor venceu por 4 a 2 e quis jogar minha camisa do Flamengo pela janela; ou o da Zicovardia de 76, quando o Galinho fez quatro na Máquina de Rivelino, Paulo César, Doval e companhia, que também ouvi pelo rádio; ou os que vi no Maraca, como os que o Flu ganhou, em 1978 por 2 a 0 e em 88 por 1 a 0, quando o Fla já era campeão da Taça Guanabara; ou o que levei uma baquetada de um tricolor menor do que eu na arquibancada do Mario Filho e nada pude fazer por estar com a camisa do meu time no meio da tricolada, no jogo em que Zezé Gomes "venceu" Zico, por 2 a 1, em 81, ano em que o Fla deu o troco, por 3 a 1, com um gol antológico de Lico; o olé rubro-negro de 82, com 3 a 0 no primeiro tempo e um torcedor tricolor invadindo o campo implorando para que Zico, Júnior, Andrade, Leandro, Tita e companhia parassem com a humilhação (deu certo, não houve mais gols); ou os decisivos gols de Assis em 83 e 84 (estava no estádio neste segundo); podia falar do empate com o chutaço de Leandro em 85 ou da despedida oficial de Zico no Fla, naqueles 5 a 0 em Juiz de Fora que assisti pela TV; a final de 91 que para mim serviu de vingança por 73; o gol de barriga de Renato em 95, que ouvi entre muitas interrupções dramáticas por causa da chuva, do local distante em que me encontrava e do rádio de má qualidade que tinha na época...

Porém, fico com o Fla-Flu quase esquecido de um herói quase esquecido, que tive o imenso prazer de reencontrar.


FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 3 X 1 FLUMINENSE
Amistoso
Data: 5/2/1977
Local: Maracanã
Público: 20.162 pagantes
Árbitro: Arnaldo César Coelho
Gols: Luiz Paulo, aos 14 minutos do primeiro tempo; Kalu, aos 43 do primeiro e 44 do segundo tempo para o Flamengo, e Doval, aos 43 do segundo tempo, para o Fluminense.
Flamengo: Roberto; Júnior (Dequinha), Rondineli (Paulo Roberto), Carlos Alberto Torres e Vanderlei; Merica, Dendê e Adilio; Tita (Júlio Cesar), Kalu e Luiz Paulo. Técnico: Claudio Coutinho
Fluminense: Félix; Rubens Galaxie, Edval, Jorge Luís e Carlinhos; Cléber (Arturzinho), Wílson Guerreiro (Zé Maria) e Erivelto (Geraldão); Paulinho, Doval e Dirceu. Técnico: Mário Travaglini.

Fotos: Kalu concedendo entrevista antes de um jogo no Maracanã (o repórter provavelmente é Luiz Orlando - ex-empresário de Túlio Maravilha - da Rádio Mauá), o time juvenil (hoje corresponde ao júnior) de 1976 do Flamengo e reprodução do jornal O Globo com a matéria sobre o Fla-Flu em que brilhou (arquivo pessoal).

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