quinta-feira, 29 de junho de 2023

A BANALIZAÇÃO DO APLAUSO *

A maior vitória conquistada pelos homens que amam o poder e dão a vida para mantê-lo é sem dúvida a imbecilização de seus subalternos. Investindo na falta de informação onde ela dificilmente chega e no treinamento por repetição, chamada pomposamente de educação democrática, nas áreas urbanas, onde a informação chega de qualquer forma - mesmo ao mais alienado dos seres -, os poderosos continuam vislumbrando um horizonte infinito à sua frente por vias democráticas. 

Críticas ao baixíssimo nível da televisão são freqüentes nos jornais desde sempre, por exemplo. Para se ter uma idéia, Nelson Rodrigues, em uma crônica nos fins dos anos 60 (portanto há mais de 30 anos) já perguntava como se poderia ter uma televisão de alto nível se o público telespectador era de baixo nível intelectual. Mudou algo de lá para cá?

Li certa vez uma entrevista do diretor de teatro Antunes Filho afirmando ser muito difícil fazer peças de boa qualidade no Brasil porque o público de teatro havia piorado muito. Ele, porém, dizia que, apesar disso, não iria dirigir peças somente para agradar as pessoas. O verdadeiro artista é como o verdadeiro amigo, deve dizer exatamente aquilo que sente e não somente o que agrada. 

No entanto, o que mais temos assistido por aí são “artistas” fazendo música, encenando peças, escrevendo livros para não decepcionar o seu público. E que público é este? Exatamente o mesmo que não tem qualquer tipo de exigência, nada questiona, tudo absorve e tem horror a algo diferente do padrão. E por quê? Porque foram treinados para serem assim. E assim são. E assim repetem os erros dos poderosos. E assim permitem aos poderosos continuarem onde estão. E o círculo se torna vicioso, nada muda.

Nada mais irritante numa sala de teatro do que a turminha do “urruu”. A turma que a tudo aplaude, mesmo que a peça tenha sido de baixíssima qualidade. Há logicamente uma parte dessa turma que é altamente hipócrita (que aplaude na frente para depois meter o malho por trás), mas a maioria vai na onda e o aplauso se banaliza. 

Vi recentemente uma peça no Rio que tinha um ótimo texto (“Esplêndidos”, de Jean Genet), mas que foi simplesmente arrasada por uma turma de atores que havia saído das academias de malhação, passando rapidamente pela telinha da tevê, para cair de pára-quedas no palco do CCBB. Até o excelente Nelson Xavier parecia estar sem a menor paciência de aturar aquela turma e tropeçava no texto, chamava dois personagens pelo mesmo nome, um desastre, enfim, salvo apenas pelo excelente texto, repito, e pelo cenário. Ao fim da peça foram aplaudidos de pé. De pé!

Outro dia, fui ao maltratado Teatro Dulcina para assistir a uma bela apresentação de “Anti-Nelson Rodrigues” e me irritei profundamente com um grupinho de três rapazes atrás de mim, que não paravam de rir de qualquer coisa na peça e ainda cochichavam o tempo inteiro. Por vezes não conseguia ouvir o que os atores diziam, por causa do tititi atrás de mim. Percebi antes da peça começar que eles eram de teatro, pois faziam referência a uma matéria de jornal que publicou uma foto deles. Pois é, futuros atores que não aprenderam sequer a ser platéia. Estamos feitos!

Não é a toa que nos campos de futebol os chutes nas canelas adversárias sejam mais freqüentes do que os belos lances. As torcidas organizadas e muitos dos que estão em volta nas arquibancadas estão mais dispostos à porrada do que a assistir um bom jogo de futebol. Quantas vezes Pelé, Garrincha e outros não foram aplaudidos por torcedores adversários? Quantas vezes uma torcida não vaiou seu time quando jogou muito mal e ganhou em outros tempos? 

Quando um time joga mal a torcida não pede talento, pede raça, embora ela muitas vezes não falte. Hoje a única exigência é a vitória a qualquer custo, mesmo que seja à base de pontapés. Os espetáculos só vem piorando, entre outras coisas, porque o público é de péssima qualidade. E a imprensa, que fabrica um ídolo por dia, é a grande responsável por tudo isso. Até porque tem uma intimidade muito grande com o poder.

* Este texto foi escrito provavelmente em 2000, portanto há cerca de 23 anos.

Obs.: a ortografia antiga foi mantida. Fica também como uma forma de protesto contra a mentira deslavada da padronização nos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que certamente favoreceu gente do meio editorial e desgovernamental também (só cumprido e imediatamente adotado pelo Brasil, sil, sil, o acordo foi assinado em 2008 pelo mesmo presidente de agora).

segunda-feira, 26 de junho de 2023

TRECHO DO LIVRO "O NEGRO CREPÚSCULO"

O Negro Crepúsculo

 PRELÚDIO

Não costumo ser chamado pelo nome de batismo, então me apresento pelo artístico, c.j.marques - assim mesmo com minúsculas, igual ao poeta e.e. cummings. Entre meus colegas sou conhecido como Marques. E assim digo, no dia-a-dia, que é este o meu nome para as pessoas com as quais vou esbarrando por força do meu trabalho.

Completei 39 anos no mês passado, sou formado em Publicidade e Propaganda já há 14, mas nunca exerci a profissão. Fiz apenas um rápido estágio numa agência, mas me senti deslocado demais naquele mundo. Ou seja, percebi tarde demais que havia feito a escolha errada. Ainda morava com meus pais, mas queria ter minha vida independente e fui trabalhar com vendas, primeiramente no mercado formal, posteriormente no informal, para ter como me sustentar.

Acabei conseguindo juntar um dinheiro e comprei um carro, apesar do financiamento extorsivo de um banco, e virei taxista, minha profissão até hoje. Mas desde sempre escrevi e guardei aquelas folhas - antes reais, batidas à máquina de escrever, e agora virtuais - com a esperança de um dia publicá-las. Procurei várias editoras, recebi elogios, e foi só: ninguém se interessou pelo taxista, publicitário só por formação universitária, e um voraz leitor metido a poeta.

Tive um casamento frustrado, que durou pouco mais de quatro anos, sem filhos. Estou há cinco vagando por esta cidade que um dia deve ter sido mesmo toda maravilhosa (eu a reconheço em seus escombros e sombras sombrias de seus prédios, morros, vales e praias), levando pessoas daqui pra lá, de lá pra cá. Algumas vezes nem isso, prefiro ficar rodando sozinho, observando a paisagem noturna, recusando os sinais de algumas criaturas perdidas na noite. Erro por madrugadas e manhãzinhas nessas ruas esburacadas e imundas, não só no meu táxi, mas também a bordo de minha solidão. Quando achei que poderia encostá-la numa calçada da vida qualquer, numa festa na casa de um amigo conheci Alice.


“... (não sei dizer o que há em ti que fecha

e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas”

(e. e. cummings, em tradução de Augusto de Campos )


Quer ler a história inteira de c.j.marques, o dublê de taxista e escritor?
Clique aqui e saiba como adquirir "O negro crepúsculo". 

Veja também:
"O negro crepúsculo" em destaque na mídia
"O negro crepúsculo" na Rádio Jornal, do Recife
"O negro crepúsculo", um livro muito bem recomendado
"O negro crepúsculo" pelo mundo

sábado, 24 de junho de 2023

FLAMENGO, BILIONÁRIO SOBERBO E PREGUIÇOSO

Flamengo, um bilionário soberbo e preguiçoso
Foto: Marcelo Cortes/CRF / Jogada10

Como ocorrera logo após o gol do inexpressivo Ñublense, na quinta-feira passada desisti de continuar assistindo a mais um vexame do meu time assim que o árbitro encerrou o primeiro tempo. Pelo whatsapp escrevi pros meus filhos: "Se o tal de Vitinho (Bragantino) fosse um pouquinho melhor, o Flamengo já estaria perdendo de 4". E foi de 4 que o bilionário elenco rubro-negro caiu em Bragança Paulista. Mais uma vergonhosa derrota para a já enorme coleção deste ano, que seguiria o anterior, não fosse Dorival Júnior e os dois títulos conquistados no segundo semestre de 2022, a Copa do Brasil e a Libertadores. Está certo, depois de várias ótimas apresentações, teve mais sorte do que juízo nas finais, principalmente contra o Corinthians, mas conquistou as taças. E a competição sul-americana de forma invicta, com 12 vitórias e apenas um empate em 13 jogos.

Então, por motivos até hoje não esclarecidos, o comando do futebol do clube passou a querer o treinador que havia sido superado duas vezes por Dorival, em 2022, e assim começamos o ano, acumulando derrotas, algumas escabrosas, não vou citá-las. A verdade é que o Flamengo se tornou um bilionário arrogante e modorrento que vendeu sua alma. O que se viu na quinta-feira (e estou falando apenas do primeiro tempo!) foi um bando de jogadores caminhando e olhando o adversário inferior técnica (pelo menos no papel) e financeiramente correr muito e jogar, com exceção do goleiro Matheus Cunha e mais um ou dois. 

O treinador, à beira do campo, de cabeça baixa, só andava de um lado para o outro, como aliás costuma fazer, sem qualquer reação. No fim, li apenas no dia seguinte, quando soube o resultado final, ele ficou surpreso. O cara teve 10 dias, tempo suficiente para arrumar a equipe, depois da vitória pra lá de enganosa sobre o Grêmio. Mas o time piorou. Aliás, é uma constante também no Flamengo, voltar ainda pior depois de paradas como esta última para treinar. Será que treinam mesmo ou só enrolam? A dúvida me é permitida, pois os treinamentos são fechados para a imprensa, portanto para o público. 

Bom, gastei meu precioso tempo vendo a primeira etapa daquela enganação de quinta, mais ainda para batucar este texto aborrecido e vou dar um bom tempo de Flamengo, vou ver Palmeiras x Botafogo apenas. Acho que a torcida rubro-negra deveria fazer uma greve para ver se espanta a preguiça dos preguiçosos, mas o torcedor apaixonado vai em qualquer circunstância ao estádio, nem que seja apenas para resmungar, xingar, protestar. Eu prefiro ser mais criterioso na escolha do gasto de minhas energias e dos meus programas. Ler um bom livro é o melhor deles. 

Amanhã, contra o combalido e desesperado Santos, estarei longe da partida e só devo saber o placar na segunda-feira, quando for ao noticiário, o que faço todas as manhãs. O time sem alma não terá minha audiência por um bom tempo. Sei bem que não fará qualquer diferença para eles, pois dinheiro não lhes falta, talvez vergonha na cara. Pelo menos me aborreço menos.

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Zico, 70 anos, parabéns e obrigado!
Memórias da geral do Maraca
"Contos da bola", quem lê recomenda
O torcedor de futebol
Setenta vezes Maracanã
Adeus, Maracanã
Trinta e oito anos não são 38 dias, nem mesmo 38 rodadas

sexta-feira, 23 de junho de 2023

TRECHO DO EBOOK "VELHOS CONHECIDOS"

"Velhos conhecidos" é a peça de minha autoria mais recente, ainda inédita como todas as outras, com exceção da de estreia, "Sentença de vida". Abaixo, você poderá ler o trecho inicial da obra e clicando aqui poderá saber mais sobre o ebook que está à venda na Amazon do Brasil e de mais 13 países, além de estar disponível no sistema Kindle Unlimited.


Personagens:

Pedro de Albuquerque
Carlos Alberto Fanzini

Dois idosos numa casa ampla. De móveis antigos, mas muito bem cuidados. Sala em penumbra.

Pedro: - Eu...

Carlos: - Ahn. (pausa) O que foi?

Pedro: - Eu...

Carlos: - Sim, o que tem você?

Pedro: - Um momento.

Pedro vai vagarosamente à janela e a escancara. Uma luz forte invade violentamente a sala.

Carlos (tapando os olhos): - Meu Deus, Pedro, assim você me deixa cego.

Pedro: - Gosto de claridade.

Carlos: - Essa luz toda me agride.

Pedro: - Vou fechar um pouco a janela... Não, essa cortina vai amenizar um pouco essa luminosidade que te violenta tanto.

Carlos (entre aborrecido e sarcástico): - Ah, muito obrigado.

Pedro: - Eu...

Carlos: - Porra, Pedro, desembucha. Eu, o quê?

Pedro: - Você sempre ansioso... Bom, eu não sei como consegui chegar até aqui, aos 70 anos. Sinceramente não sei.

Carlos: - Eu também não. Sinceramente.

Pedro: - Creio que isso deva surpreender mais a você do que a mim.

Carlos: - Ah, é? Por quê?

Pedro: - Porque você não fez metade do que eu fiz e era previsível que chegasse aos 80.

Carlos: - Tenho 72. E não meço tua vida pela minha. Aliás, se fosse comparar...

Veja também:
Trecho do ebook "Atrasado"
"O negro crepúsculo", um trabalho de 11 anos

Pedro: - Eu achava que nem passaria dos 18.

Carlos: - Ah, não exagera!

Pedro: - Verdade. Mas era mais por uma intuição besta, um medo. Naquela época ainda não tinha mergulhado fundo...

Carlos: - Nas drogas, nas orgias, na gastança...

Pedro: - É... aquela grana do meu avô...

Carlos: - Uma belíssima grana que você poderia ter investido na sua formação, num apartamento.

Pedro: - Porra, Carlos, olha bem pra mim, vê se eu tenho... Ou melhor, se eu tinha... Se eu tinha cara de empresário.

Carlos: - Não, mas você desperdiçou tudo.

Pedro: - Depois recuperei. E vivi, ah, como vivi...

Carlos: - Como bon vivant... Pra mim foi “mau” vivant.

Pedro: - Ah, vai ter ataques de ciúmes, inveja, novamente?

Carlos (dá uma sonora risada): - Eu!? Inveja, ciúmes de você? Tenha a santa paciência, né? Tá querendo tirar um sarro da minha cara a esta altura do campeonato?

Pedro: - Parece.

Carlos: - Parece o quê?

Pedro: - Que você está com inveja do que eu vivi.

Ficou com curiosidade pra saber até onde essa conversa vai?
Clique aqui e saiba como ler o texto inteiro desta peça de teatro ainda inédita.

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Nelson Rodrigues manda mensagem do Além
A primeira entrevista internacional
Uma justíssima homenagem
Entrevista: Nelson Pereira dos Santos

quinta-feira, 22 de junho de 2023

SELEÇÃO BRASILEIRA, A BAGUNÇA COMO MÉTODO

Por melhor que seja, e é o caso de Carlo Ancelotti, é um absurdo esperar tanto tempo por um treinador para assumir o comando da seleção brasileira. Pelo exposto, além de seis jogos das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2026, a Copa América inteira de 24 (competição cada vez mais desvalorizada, agora - ao que parece - até pela própria CBF), fora os amistosos, muitos de utilidade próxima a zero, com um interino que, com todo respeito que o Ramon merece, em condições normais de temperatura e pressão precisaria de muitos e muitos anos e muitos e muitos importantes títulos para alcançar tão alto cargo.

Carlo Ancelotti, ainda técnico do Real Madrid
Como bem disse Zico em entrevista a José Carlos Araújo, a CBF já deveria ter começado a se movimentar em busca de um novo técnico assim que Tite anunciou que com qualquer resultado sairia após a Copa do Mundo do Catar. E, assim que a competição se encerrasse, já anunciaria o novo contratado. 

Entretanto, prevaleceu mais uma vez o improviso, o jeitinho, marca registrada - para o bem e para o mal - da nossa cultura, fruto muitas e muitas vezes da nossa eterna desorganização ("a incompetência da América católica" já denunciada musicalmente por Caetano Veloso em "Podres poderes"). Vi e li muitos respeitados comentaristas elogiando a atitude da CBF, argumentando que a entidade está pensando grande ao contratar tão prestigiado e vencedor treinador, que seleção não trabalha com tanta constância e que se pode esperar sem problemas, afinal o Brasil não ganhou Copa do Mundo com o mesmo técnico em todo ciclo após a edição anterior. Discordo veementemente. 

Afinal, é tornar método o que tanto se critica em nosso futebol, desde o início do século passado. Do meu modo de ver é transformar em regra o que circunstancialmente deu resultado (graças principalmente ao imenso talento de nossos jogadores), seja por maus resultados e ou pressão dos mais variados setores. A bagunça como norma parece ser a diretriz de nossos dias nas mais diversas áreas, começando pela politica, claro, sempre ela. Pior, alguns dos muito críticos a tudo isso estão se habituando a ela.

Porém, pensando bem, paradoxalmente a seleção ano após ano tem sido cada vez menos brasileira, com apenas um craque de cabeça fraca desde a década passada. Além de tudo, muito pouco joga por aqui. Então, que se mude de mala e cuia para a Europa de uma vez por todas. Talvez assim aprenda a se organizar um pouco.
  


quarta-feira, 21 de junho de 2023

TRECHO DO EBOOK "ATRASADO"

Cláudio acordara além do horário naquela manhã de segunda-feira. Assim que abriu os olhos pulou da cama com tanta rapidez que é bem possível que tenha saltado ainda de olhos fechados. Não conseguira dormir direito durante a noite, preocupado que estava com as várias dívidas que havia contraído para pagar a prestação da casa - já atrasada em três meses - e as contas do mês. Além desta, agregava agora, em sua louca correria para se arrumar, a preocupação de não chegar atrasado ao trabalho.

Como não tinha crédito suficiente no banco, Cláudio resolveu recorrer a um agiota, que como todos – inclusive, e principalmente, os próprios bancos - cobravam juros exorbitantes. O salário de repórter de um jornal tradicional do Rio de Janeiro, mas de poucos leitores e recursos, mal dava para sustentar os dois filhos e a mulher, também desempregada já há dois anos. Ela vendia bijuterias de casa em casa e só conseguia pouco mais da metade do que ele ganhava por mês. A renda familiar era insuficiente para cobrir todas as necessidades. Eles apertavam daqui, empurravam com a barriga dali, e iam tentando se manter. Que não vazasse um cano do banheiro; que uma criança não ficasse doente – até porque plano de saúde nem pensar, e ficar em fila de hospital público era perder um dia inteiro de trabalho e ganhar um desconto na folha de pagamento –; que nada fora do previsto ocorresse. Esta era a reza diária desse casal com nome de dupla sertaneja: Cláudio e Cláudia.

Naquela segunda-feira, Cláudio saíra de casa especialmente preocupado também porque não conseguira dar conta do pagamento ao agiota naquele mês. Pagara somente o principal da dívida, deixando os juros acumularem em cima dos juros, acrescidos de uma multa estratosférica. Somado a tudo isso, o atraso causado pela noite em claro, em consequência da febre de seu filho menor. O atraso por causa da noite mal dormida, a noite insone por causa da febre do filho e dos problemas...

Cláudio chegava a tremer de tão nervoso. E suava. Seus poros pareciam bicas abertas, jorrando em torrentes. Tinha de estar às nove horas no Centro do Rio para uma entrevista, recomendada pelo dono do jornal, com um conhecido empresário candidato a vereador que poderia vir a ser um patrocinador de grande peso para a salvação do periódico. O patrão havia lhe explicado tudinho no dia anterior e pedira, ordenando – e até ameaçando –, que não deixasse o ocupadíssimo futuro político esperando, até porque ele tinha um compromisso inadiável às nove e trinta e quatro.

Já eram oito e meia e ele ainda estava em seu bairro, Campo Grande - ou seja, a cerca de sessenta quilômetros do centro da cidade. Teria de passar ainda no jornal para ir com o fotógrafo. “Se perder essa entrevista estou frito, estou frito!”, pensava em voz cada vez mais alta. Ele nem tomou café, saiu correndo e pegou o primeiro ônibus que apareceu. Dentro do coletivo, Cláudio estava agoniado com a hora, porém se sentiu um pouco aliviado porque, por incrível que pareça, ele não estava lotado. O motorista, no entanto, não parecia estar com tanta pressa assim, o que deixava o repórter ainda mais angustiado, nervoso, irritado, furibundo...

Quer ler a história completa e saber como ela termina de forma surpreendente?
Clique aqui. 

Veja também:

quinta-feira, 15 de junho de 2023

MUITO OBRIGADO, ALBENEIR

Foto de Fernando Gustav
Recebi na manhã desta quinta-feira, por intermédio do ex-jogador Paulinho Andrade, a triste notícia do falecimento do terceiro maior artilheiro da História do Figueirense, Albeneir, o Bena, a quem tive o prazer de entrevistar para o Museu da Pelada em setembro do ano passado. Além dos muitos gols, que marcou também por outros clubes, como o rival do Figueira, o Avaí; o Grêmio, em dupla com Renato Gaúcho; Goiás, Athletico, Joinville, entre muitos outros, Albeneir foi um exemplo de superação. Tanto nos tempos de jogador, quando quase teve a carreira encerrada quando estava no Tricolor gaúcho, por um problema no joelho, como posteriormente, quando chegou a viver nas ruas.

Bena usou toda a experiência de sua recuperação para auxiliar outras pessoas que passam pelo mesmo problema, com palestras voluntárias. Certamente ajudou muita gente a sair do vício das drogas e do álcool e, consequentemente, leva para o Mundo Espiritual muita gratidão.

O mineiro da cidade de Baldim Albeneir Marques Pereira, que começou sua carreira de jogador de futebol no Cruzeiro, tinha 65 anos e morreu em casa, a mesma em que o entrevistei, no município de Biguaçu, que faz parte da região metropolitana de Florianópolis, vejo no noticiário local. Para mim, fica a simpatia com que nos recebeu, eu e o cinegrafista Fernando Gustav, e uma recordação que fez questão de me dar naquele dia 8 de setembro e que guardo comigo com muito carinho: uma caneca com o escudo do Figueirense. 

Abaixo, a entrevista publicada no canal do YouTube e no site do Museu da Pelada em dezembro do ano passado:


quarta-feira, 14 de junho de 2023

EM MEMÓRIA DE SIMON ÂNGELO BERTOLOTO

Em memória de Simon Ângelo Bertoloto

Se há alguém aí do outro lado do texto, certamente estará se perguntando: quem é Simon Ângelo Bertoloto? Um morador de rua, respondo. Foi, pois como fiquei sabendo ontem no perfil do Instagram de um deputado estadual em quem voto desde que cheguei a Florianópolis há 4 anos, Simon faleceu de hipotermia na segunda-feira, dia 12. Tinha entrado na rede social para desativá-la, assim como fiz com outras, e recebi de cara a chocante notícia que não pude ignorar, de jeito algum.

Ele vivia à porta do Johrei Center do Centro da cidade, na Rua General Bittencourt, e depois de o cumprimentar algumas vezes, assim como a outros que ali ficavam, numa segunda-feira há um mês e meio ou mais (o tempo veloz, furioso, fugidio me deixa cada vez mais perdido), Simon me pediu que orasse por ele. Eu respondi que faria isso sempre, entrei e cumpri a partir de então. Ali e em casa.

Primeiramente ofereci um Johrei. Aceitou, então fiz a oração com e para ele ali mesmo onde dormia e passava, creio, o dia inteiro. Conversamos um pouco e ele me disse que era de Santa Rosa (RS). Sabendo que era gaúcho e, como vestia uma camisa de manga comprida azul, brinquei dizendo que ele devia ser gremista, mas respondeu que não, era torcedor do Internacional. Quando o informei de que eu também não era daqui (de Santa Catarina), mas que agora, há 4 anos, passara a ser, ele me surpreendeu com um sorriso da mais pura alegria e estendeu a sua mão direita em direção a que eu ministrava o Johrei. Deu pra sentir sua mão grossa, da roça e ou da rua.

Quando encerramos, voltei a entrar e, quando saí para ir embora, ele me pediu algo para comer e comprei uma quentinha e um suco para matar um pouco a sua fome. Pedi em troca que mantivesse o local em que vivia o mais limpo possível e, imediatamente, foi para o outro lado da rua comer o seu almoço. Uma semana depois voltei ao Johrei Center com um casaco e uma camisa do Inter para lhe dar, pois havia pedido roupas também. Quase me esqueci, já estava no ponto do ônibus quando me lembrei. Voltei em casa para pegar os presentes, pois de alguma forma sabia que não teria outra chance de encontrá-lo, o que se confirmaria. 

Esquecido que havia me falado que era torcedor do Colorado, ao receber a camisa pareceu querer me dizer: "como você sabe o meu time?". Agradeceu as vestimentas e, posteriormente, vi que as vestiu logo. Na saída, eu me despedi e ele, sentado no chão de sempre, encostado na parede, me pediu algo para comer, mas recusei: "Vou ficar lhe devendo esta, desta vez". Ele me olhou com uma expressão triste, baixou a cabeça e é a imagem dele que não gostaria de ter em minha memória. É também uma infeliz ironia saber que lhe dei um casaco e tenha falecido de hipotermia.

Talvez este texto fique aqui esquecido e seja um símbolo do que foi Simon e tantos, tantos, tantos outros que vivem nas ruas e são desprezados ou feitos para uso político. Anônimos, sem título de eleitor, sem documentos, sem identidade, sujos, famintos, drogados, bêbados, porém, de acordo com as circunstâncias, úteis ou inúteis para oportunistas egocêntricos indiferentes.

Veja também:
Brasil, um edifício que cresce sobre frágeis alicerces
A necessidade do desejo
O caminhante
Rima

domingo, 11 de junho de 2023

OLHARES ALHURES - FOTOS #117






Fotos de Eduardo Lamas Neiva, feitas na manhã do dia 1º de junho de 2023, no bairro de Balneário e na Beira-Mar Continental, no Estreito, em Florianópolis (SC).

quarta-feira, 7 de junho de 2023

MÚSICA PRA VIAGEM: BAHIA X GRÊMIO

Como o sorteio dos confrontos das quartas de final da Copa do Brasil deste ano pôs frente a frente Bahia e Grêmio, lembrei-me imediatamente da música gravada originalmente no CD Yamandú, de 2001, que tenho já há alguns anos: Bahia x Grêmio. A composição e a gravação reúnem dois de nossos maiores instrumentistas, um da nova geração de violonistas, o gremista Yamandú Costa, e outro da Velha Guarda do carnaval baiano, o virtuose Armandinho Macêdo, filho do criador do trio elétrico, Osmar, e quem batizou o cavaquinho elétrico ou pau elétrico de guitarra baiana.

Veja também:

Como torcedor do Esquadrão de Aço, de Salvador, criou também este clássico futebolístico-musical entre tricolores do Nordeste e do Sul do país com o parceiro mais jovem. Desta tabelinha entre dois cracaços da nossa melhor música e entre o som e a bola só poderia sair um golaço que me trouxe aqui para publicá-la na série "Músicas que nos fazem viajar". 

"Bahia x Grêmio" já fez parte do projeto Jogada de Música, quando foi executada no quadro de um dos programas do Pop Bola na Rádio Globo Rio, entre 2017 e 18. Vamos então curtir abaixo o toque de prima desta dupla talentosíssima.



segunda-feira, 5 de junho de 2023

OLHARES ALHURES - FOTOS #116

Fotos de Eduardo Lamas Neiva, feitas no dia 31 de maio de 2023, no bairro do Estreito,
Florianópolis (SC).

Veja também:

quinta-feira, 1 de junho de 2023

MÚSICA PRA VIAGEM: OS MENINOS DA MANGUEIRA

Ainda sobre a entrevista de Sérgio Cabral a Sérgio Pugliese, no Museu da Pelada, outro ponto que o grande jornalista, comentarista esportivo e de carnaval, escritor e compositor falou também me levou aos primórdios de minha vida. Afinal, como ele mesmo relembrou, apesar de portelense (uma surpresa pra mim), seu maior sucesso musical foi "Os meninos da Mangueira", que juntamente com algumas das primeiras de Raul Seixas, Elton John, Michael Jackson e Jackson Five, da trilha sonora das novelas "Os irmãos Coragem", "O Bem Amado", "Uma rosa com amor" e "Jerônimo, o herói do sertão" e do samba de enredo do Salgueiro "Festa para um rei negro (pega no ganzê)", de 1971, me remetem imediatamente à minha infância.

Na verdade, as demais citadas são anteriores ao lançamento da composição de Sérgio Cabral e Rildo Hora, gravado por Ataulpho Alves Júnior e lançado em 1975. Mas a memória muitas vezes embaralha épocas de nossas vidas, embora neste caso nem tenha sido tão distantes assim. Este samba tocou muito nas mais diversas estações de rádio, e inúmeras vezes a ouvi com muito prazer no rádio da velha Brasília de meu pai, trafegando pelas ruas do Rio de Janeiro ou em viagem nas estradas do estado do Rio, das Minas Gerais, onde ele nascera, ou em direção a Brasília. Portanto, não podia deixar de trazer esta música para a série que publico aqui neste blog já tem tempo. Vamos curti-la, então?