Germán Cano é o Oscar Schmidt do futebol. Peço desculpas por logo no início deste texto praticamente repetir o que está no título da postagem. É só uma questão de ênfase, pois é de intensidade, continuidade, persistência, obstinação que se trata o que publico aqui e agora.
Cano, hoje, e Oscar, no seu tempo de grande jogador de basquete, são e serão reconhecidos pela obsessão por bola na rede. Para eles nunca houve distância da meta que os impedisse de tentar colocá-la no alvo. Não há medida, nem mesmo equilíbrio preciso para a necessária obstinação de alcançar a plena felicidade de se comemorar um tento.
Saem e saíam por vezes arremates tortos, risíveis, irritáveis até. Porém, não se envergonhar de ter sempre os olhos, a alma, todo o corpo e o espírito entregues inteiramente ao jogo, todo o ser na partida voltado unicamente para a busca incessante pelo objetivo maior, o claro objeto do desejo de todo artilheiro ou cestinha, é o que os distinguem dos demais.
Sim, ambos também doam e doaram a sua cota de sacrifício tático ao time, participando da marcação e permitindo, vez por outra que um companheiro também possa (pudesse) brilhar. Mas isso é um acréscimo quase supérfluo, diante do que representam na memória do torcedor. Como também é mero detalhe o fato de o número 14 estar ligado a ambos.
Tanto pra um, quanto pro outro, o impossível inexiste. E o infinito é alcançável, pois até a linha que normalmente delimita a idade para a prática do esporte pro qual nasceram é elástica e jamais arrebenta. No máximo é guardada para outras lutas da vida quando o momento, o tal infindável, chegar.
Fernando Diniz, técnico da seleção brasileira e do Fluminense. Foto: Getty
Desde que soube que Fernando Diniz havia aceitado a proposta da CBF para ser técnico da seleção brasileira (interinamente ou não, sabe-se lá se Carlo Ancelotti vem mesmo) sem deixar o comando técnico do Fluminense, logo me recordei da comédia de Carlo Goldoni, "Arlequim, servidor de dois amos" ("servo de dois mestres", ou "de dois patrões", dependendo da tradução. Prefiro a que citei primeiro).
Não que este fato seja novidade por aqui, ocorreu seguidas vezes até o fim da década de 70, mas surpreende pelo total anacronismo e também pelas sérias questões éticas que abrangem este acúmulo de cargos no futebol atual, ressaltando que quase sempre convocar um jogador de clube brasileiro é desfalcá-lo em jogos importantes. Ponha-se como atual o das últimas 3 décadas.
Peço licença a você para resumir a primorosa comédia do italiano Goldoni que estreou em 1746. Com o objetivo de comer e viver melhor, Arlequim trabalha ao mesmo tempo para os apaixonados Florindo e Beatriz, que separados pelo destino desejam se reencontrar. Embora achasse que não teria grandes problemas ao aceitar os dois empregos, não são poucas as confusões em que se mete Arlequim, até porque o casal não sabe que ele trabalha para ambos simultaneamente.
No caso de Diniz todos, inclusive os dois patrões, sabem muito bem a quem ele serve. Porém, o técnico também achou que não teria tão grandes problemas acumular o cargo em dois lugares de tão grande importância, porém as trapalhadas num dos empregos, o da seleção, não são poucas.
Claro, não direi jamais que fosse fácil recusar o convite da CBF, que a meu ver nunca deveria ter feito tal proposta (até por ainda crer que Diniz não seja o mais indicado para dirigir a equipe brasileira e por achar que nunca se deveria esperar tanto tempo por outro treinador, por melhor que seja). No entanto, no meu modo de ver, Diniz não resistiu à tentação de ceder a uma ambição.
Voltando ao Diniz, que foi o tema central de dois programas do canal Comendo a Bola dos quais participei recentemente (veja nos vídeos abaixo). Com mais sorte do que juízo nas semifinais contra o Inter, o treinador acabou levando o Fluminense, com merecimento, ao primeiro título continental de sua História e obteve sua primeira conquista de grande expressão na carreira, ao derrotar na prorrogação o Boca Juniors na final da Libertadores. Mas mesmo entre torcedores de seu clube, seu cartaz ainda oscila entre o amor e o ódio.
Na Copa do Brasil, o Flu caiu nas oitavas de final para o Flamengo, um time que acumulou vexames ao longo do ano, inclusive na final do Carioca, quando foi goleado pelo próprio Tricolor, por 4 a 1. E no Brasileiro faz uma campanha medíocre. Sem mais nada a fazer, a não ser cumprir tabela na principal competição nacional (embora a CBF ache que é a Copa do Brasil), agora é ver o que o time de Diniz fará no Mundial Interclubes.
Seu padrão (o que é preocupante, a padronização) de jogo é muito arriscado, mas até bonito de se ver. E, quando tudo dá certo, é de uma eficiência que ninguém põe dúvida. Já quando algo dá errado, ele escala um meio-campo despovoado de atletas e ideias, seu sistema defensivo bate cabeça e do outro lado há um treinador menos medroso que Eduardo Coudet e atacantes mais inspirados que Enner Valencia...
Na seleção brasileira, onde não tem - e não terá - tempo suficiente pra treinar seus jogadores convocados (muitos dos quais apenas medianos, o que acrescenta mais um dado - ou dedo - de crítica ao seu trabalho) a coisa pesa bem mais. E, provando a lógica de que servir a dois amos no mínimo pode trazer muitos problemas, já quebrou dois recordes negativos em tão pouco tempo de trabalho: pela primeira vez a seleção perdeu 2 jogos seguidos nas eliminatórias (com o 1 a 0 para a Argentina aumentou a marca para 3) e também foi pela primeira vez derrotada em casa na etapa de qualificação da América do Sul para uma Copa do Mundo.
Se a peça de Goldoni tinha um estilo teatral renascentista chamado Commedia dell'Arte, Diniz, contratado para fazer, com seu pretenso futebol-arte, a seleção renascer, após tantos fracassos, pode estar simplesmente dando prosseguimento à Tragédia sem Arte inaugurada nos 1 a 7 para a Alemanha, no Mineirão, em 2014.
Sangue e porrada no Maracanã
Entretanto, tragédia mesmo foram as ações e as omissões de CBF e Polícia Militar no Maracanã antes do jogo entre Brasil e Argentina começar. Um show de incompetência e violência que ganhou mundo e envergonharia qualquer sociedade. Porém, a nossa, no atual estágio em que se encontra, parece achar até divertido ou mais motivo para babar seus ódios nas redes sociais e nas ruas contra si e o inferno, ou seja, os outros.
Vou pegar uma carona com o recente lançamento da série "A mão do Eurico", do Globoplay, pra contar uma história curiosa que vivi com Eurico Miranda e que pode surpreender muita gente. O fato ocorreu em 1991, quando eu era um dos repórteres do Jornal dos Sports que cobriam o dia a dia do Vasco e Eurico, o vice-presidente de futebol do clube.
Éramos três setoristas no Vasco para escrever matérias sobre o clube que ocupasse, juntamente com as fotos, uma ou duas páginas diárias no Cor de Rosa, num tempo em que a área impressa de uma página standard de jornal tinha a largura de 33cm (atualmente é de 29,7cm, por 56cm de altura).
Pela manhã, normalmente quem ia a São Januário ou onde o time estivesse treinando era o saudoso Eliomário Valente, que já deixava boa parte do trabalho feito. À tarde íamos eu e Virgílio Neto, que na época assinava Sebastião Virgílio.
Numa tarde provavelmente posterior a dia de algum jogo do Vasco, Virgílio devia estar de folga ou cobriu a do Eliomário pela manhã, pois fui só fazer o meu trabalho em São Januário. Como o jornal fecharia mais cedo, não haveria tempo pra que eu saísse do clube e voltar pra redação escrever as matérias. Então tive de passar o que apurei pelo telefone (discado!) da sala de imprensa pra algum redator redigi-las (em máquinas de escrever!).
Depois de tudo passado, pedi ao redator que pedisse ao chefe de reportagem (José Luiz Laranjo, Sérgio du Bocage ou o saudoso Marcelo Reis) que mandasse um carro do jornal me buscar. E pus-me a esperar. Como demorou, liguei novamente pra redação e me informaram que o carro já estava a caminho. Pus-me novamente a esperar. Esperar...
Já estava com cara de cachorro abandonado no hall de entrada do estádio quando surge Eurico Miranda. Ele se surpreende com minha presença ali naquele horário e me pergunta:
- Ainda está aí?
- Sim, acho que o jornal se esqueceu de mim.
- Está indo pra onde?
- Moro no Grajaú, mas o carro do jornal me levaria pro Centro (onde ficava a sede do jornal).
- Vamos lá que te dou uma carona até o Centro. Se eu fosse pra casa do Angioni (Paulo, supervisor do Vasco na época, atualmente diretor executivo do Fluminense) te levaria em casa.
Aí quem se surpreendeu fui eu. Não que tivesse algum problema pessoal com ele, mas é que jamais imaginei que um dia ganharia uma carona do Eurico. E ainda fiquei sabendo que o Paulo Angioni morava no mesmo bairro que eu, informação que pra nada serviu, apenas pra ter certeza um tempo depois que foi mesmo Eurico que passou por mim de carro numa rua do Grajaú.
Estávamos a alguns meses da eleição que seria realizada no início do ano seguinte e que manteria Antônio Soares Calçada na presidência por mais três anos (foram 18 ao todo, de 1983 ao início de 2001, quando foi substituído justamente por Eurico). Aproveitei a oportunidade de estar a sós com ele pra fazer perguntas sobre se pensava em se candidatar, quem apoiaria etc. E assim já teria matéria apurada pro dia seguinte.
Normalmente ríspido e ou sarcástico no trato com os repórteres de rádio e jornal (os de TV só apareciam esporadicamente) que frequentavam quase que diariamente o clube, Eurico, depois da generosidade de me oferecer a carona, mostrou-se simpático nas respostas, um lado que certamente poucos conheceram. Tive esta sorte. Pelo menos naqueles 20 ou 30 minutos entre São Cristóvão (hoje, bairro Vasco da Gama) e o Centro do Rio.
Quatro dias após publicar este relato acima, pesquisei com calma e encontrei a matéria que escrevi pro Jornal dos Sports. Ela foi publicada no dia 24 de agosto de 1991. Veja abaixo: