sexta-feira, 5 de novembro de 2021

JUSTIÇA E VINGANÇA

Acabei de ver o filme "Não Matarás", de Kristoff Kieslowski. O absurdo da pena de morte tão bem retratado na obra me fez recordar da guerra, das guerras, em todos os tempos e cantos do mundo. A guerra é a pena de morte em massa, mas neste caso, dependendo de quem esteja atacando não é uma violação dos direitos humanos. Sim, vou abordar a guerra, da culpa e do teatro macabro encenado nos tribunais pelo mundo afora pela ótica da pena de morte.

A violência é muitas vezes encarada como algo que ocorre fruto de uma reação raivosa a uma determinada situação. No entanto, o ser humano é requintado, possui sutilezas misteriosas que nem mesmo ele conhece. Ser humano é também ser capaz de agir gelidamente e programar um assassinato, com muita ou pouca antecedência. Digo isso em relação aos condenados e aos condenadores. O que motiva uma pessoa a matar outra sem sentir ódio profundo (ou sentindo, mas agindo como se não sentisse)? Os psicólogos apresentarão mil argumentos, afinal há realmente uma série de motivações inconscientes ou não. Porém, a verdade é que o ser humano é violento por natureza, especialmente o de sexo masculino. E na maior parte das vezes se orgulha desta natureza, pois utilizando-se dela tem a ilusão de que é superior à vítima. Sim, o grande mal dos homens é exatamente este: o desejo de ser superior ao outro.

Assim, um frio assassinato é punido com outro. A ilusão desses carrascos oficiais é que se fará justiça ou, pelo menos, que ficará o exemplo para que outros desistam de fazer o mesmo. Quantos desistiram? Para isso não existe estatística, mas para os que foram em frente, mesmo sabendo do seu provável destino, estão registrados em vários locais. E por que seguiram e não se frearam? Normalmente por não terem nada a perder. E por que a Justiça os condena à morte? Pelo mesmo motivo ilusório. Nada se perde com a morte de um criminoso; pelo contrário, dizem uns: a sociedade ganha com isso. Como, se foi a própria sociedade que propiciou de uma maneira ou outra, direta ou indiretamente, a existência do tal monstro e foi dela que ele saiu? Ou será que veio de outro planeta?

Já conheço os argumentos a favor e sei que muitos me farão a pergunta: já teve alguém próximo assassinado friamente, sequestrado ou estuprada antes de morrer? Não, realmente nunca tive, e se tiver, não há a menor dúvida, vou ter ímpetos de matar tal sujeito e talvez até execute este intento. Mas por que reagiria desta forma? Por estar envolvido emocionalmente com a tragédia, por ser uma vítima viva de tal crime. Estaria agindo em estado de ódio profundo. No entanto, quando o desespero é institucionalizado é porque o caos chegou à sociedade como um todo e a praga se espalhou por completo. E mais um frio assassinato é executado em nome de uma sociedade infestada, como diria Albert Camus, por ela mesma, a verdadeira peste.

Obs.: este texto, escrito por mim entre o fim dos anos 90 e o início dos 2000, com pequenas modificações e uma correção feita antes desta publicação, foi selecionado para participar do Prêmio Off Flip de 2022 na categoria crônica, mas abri mão de continuar na disputa.

Ilustração: cartaz do filme "Não matarás", de Krzysztof Kieslowski.
Vídeo: trailer do filme "Não matarás", de Krzysztof Kieslowski.

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