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A NECESSIDADE DO DESEJO

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Fui ao quarto da minha filha desligar a televisão quando vi a imagem de um palco escuro e logo em seguida o conhecido rosto sorridente do ator Juca de Oliveira, já num cenário bem claro. Resolvi escutá-lo, e ao comentar sobre a peça Rei Lear, que encena como monólogo no Rio, ele disse algo que é de uma obviedade rodrigueana (aquela que quase ninguém enxerga): “Até o mais miserável dos mendigos tem o desejo de algo supérfluo para se reconhecer como humano. Se ele apenas supre suas necessidades básicas, não sai da condição de animal”. Lançou esta e completou com uma clara intenção política que quero eliminar daqui para me ater apenas à questão filosófica: “Marx não deve ter lido Shakespeare”. Certo que o desejo para o ser humano (“a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”) tendo essa magnitude que Juca expressou por intermédio do bardo inglês passa a ser também uma necessidade. E passando a ser mais importante que tudo, repetidamente, significa vício. Certo ...

MÚSICA PRA VIAGEM: SELVA AMAZÔNICA

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Começo esta nova série aqui no blog com "Selva Amazônica", música de Egberto Gismonti que me paralisou desde a primeira audição, em meados dos anos 90. Esta longa música instrumental, tocada pelo mestre num violão de 8 cordas (e mais voz, surdo e cooking bells), abre o CD "Solo", gravado em 1978, e tem me feito ao longo desses quase 20 anos, todas as vezes que a ouço, viajar não só pra selva - ou pra selvas - mas ao Norte e Nordeste do país que posso dizer praticamente desconheço (só estive em Salvador e Jauá, na Bahia, por duas semanas entre o fim de 2005 e o início de 2006). No CD, "Selva Amazônica" é tocada junto com Pau Rolou, cantada por Egberto, mas em outra versão que aqui apresento, é "só" ela mesmo, em apresentação ao vivo em Berlim com outro mestre, Naná Vasconcelos, que certamente estará aqui em breve. O CD Solo achei numa loja de discos que não existe mais há muitos anos, na Avenida Amaral Peixoto, em Niterói. Estava na época à...

MÃE EXALTA O AMOR EM "O FILHO DE MIL HOMENS"

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Valter Hugo Mãe Com o amor ao próximo tão fora de moda é realmente uma felicidade ler um livro que o eleva ao patamar do qual jamais deveria deixar: o da máxima grandeza. Em seu "O filho de mil homens" (Cosac & Naify), o escritor Valter Hugo Mãe, nascido em Angola, mas que vive em Portugal desde a infância, proporciona aos anacrônicos, sonhadores, utópicos ou ingênuos voltarem a acreditar que o sentimento que nos torna além-humanos ainda está vivo, mesmo que numa ficção. Porém, como já escrevi algumas vezes há mais verdades nas ficções do que no noticiário do dia-a-dia, é mais que uma esperança, bate uma certeza de que os tempos, eles mudarão. Com notória influência de José Saramago e Gabriel García Márquez, Mãe tece seus personagens individualmente, com ternura, para ir entrelaçando-os ao longo da trama, numa narrativa envolvente, acolhedora, embora a dor, a discriminação, a ignorância, a intolerância, a ganância estejam bem presentes para nos mostrar em contrap...

ABJETA E SUBLIME CONDIÇÃO HUMANA

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Desesperançar-se e esperançar-se, eis a mola-mestra da vida. Terminei de ler o contundente livro-reportagem “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex, e vi mais uma vez como a raça humana é capaz das mais abjetas ações – e omissões – e das mais sublimes também. Mesmo tendo a plena consciência de que convive em mim (e em todos os seres humanos) o que há de pior e de melhor, não me vejo capaz de fazer nem de perto o que foi feito com as pessoas que foram internadas no antigo Colônia, manicômio da cidade mineira de Barbacena. Nem sendo um dos muitos responsáveis diretamente pelas 60 mil mortes ocorridas naquele verdadeiro campo de concentração utilizado das mais diversas formas para degradar e reduzir a zero a condição humana (mesmo após a morte, com o lucro da venda de corpos para universidades das mais diversas partes do país). Nem enfrentando aquilo tudo com tamanha coragem, abnegação e amor para salvar alguém daquele inferno. Daniela Arbex Espero estar errado q...

O MEIA-ARMADOR VIROU DESARMADOR (texto de 1990)

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Este texto abaixo escrevi em dezembro de 1990, e não tenho certeza se ele chegou a ser publicado no Jornal dos Sports, onde trabalhava na época. Encontrei-o, numa recente arrumação em minha casa, escrito numa lauda (que para os jornalistas mais novos deve ser algo de outro mundo) do JS à máquina de escrever (outro produto de outra era) e reproduzo aqui – com pequenas correções - porque reforça e muito tudo o que escrevi aqui e nas redes sociais durante a última Copa do Mundo, no jornal Portal Grajaú, logo após a competição disputada no Brasil, e por todos estes anos em que, pese o fato de a seleção brasileira ter conquistado duas copas do mundo (1994, com dois desarmadores e mais dois meias com funções mais defensivas que ofensivas, e 2002), fomos cada vez mais nos afastando de nossas raízes, de nossas mais genuínas características. O resultado hoje todos podem ver: um futebol baseado no chutão, na truculência e na correria, com pouquíssimos bons valores revelados nos últimos 10, 15...

ARIANO SUASSUNA É ETERNO

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Certa vez escrevi para consumo interno que toda praça de cada cidade brasileira deveria, por lei, apresentar semanalmente uma encenação de uma peça de Ariano Suassuna. Um sonho, uma utopia, sem dúvida, ainda mais num país que vê pouco a pouco se alastrar por seu vasto território um vácuo gigantesco de inteligência e sensibilidade. Ariano é e será eternamente um brasileiro fundamental. Ariano Suassuna na casa em que morava, em Recife Minha admiração por esse paraibano que se revelou para o mundo de Pernambuco me levou a ver várias montagens de peças dele, como Uma mulher vestida de sol; A farsa da boa preguiça; O santo e a porca, e A história de amor de Romeu e Julieta, esta com a saudosa Cristine Cid no elenco. Nunca vi uma encenação de O auto da compadecida no teatro, mas li o livro que tenho em casa, vi a versão feita para a TV e a edição dela para o cinema, ambas dirigidas por Guel Arraes, único diretor da televisão em quem Ariano confiava até aparecer Luiz Fernando Carval...

É PRECISO RESPEITAR A DOR DO UNIVERSO

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Sou verdadeiramente fascinado por coros. Não é por acaso que o "Réquiem" de Mozart me derrubou à primeira audição, nem tem tantos anos assim - pelo menos eu acho que deveria, por obrigação, ter ouvido bem antes essa obra-prima, que na verdade só teve as suas três primeiras partes finalizadas pelo gênio austríaco (Introito, Kyrie Eleison e Dies Irae), as outras ficaram por conta de seu discípulo Franz Xaver Süssmayer.  Mas não é o "Réquiem", que já utilizei neste blog exatamente com a interpretação destes três movimentos para ilustrar a poesia "Oferenda (ou Canção de um ser dilacerado)" , nem  Mozart os protagonistas deste texto, mas Eric Whitacre, que conheci há poucos minutos num vídeo do TedTalks, no Netflix. Veja também:  Música pra viagem: Caçador de esmeraldas Sábado mágico com o Mutante Sérgio Dias Nesse vídeo de março de 2011, ele conta como desistiu de ser um astro pop da música para se tornar um maestro, como se apaixonou por coros e como tev...