quinta-feira, 24 de julho de 2014

ARIANO SUASSUNA É ETERNO

Certa vez escrevi para consumo interno que toda praça de cada cidade brasileira deveria, por lei, apresentar semanalmente uma encenação de uma peça de Ariano Suassuna. Um sonho, uma utopia, sem dúvida, ainda mais num país que vê pouco a pouco se alastrar por seu vasto território um vácuo gigantesco de inteligência e sensibilidade. Ariano é e será eternamente um brasileiro fundamental.

Ariano Suassuna na casa em que morava, em Recife
Minha admiração por esse paraibano que se revelou para o mundo de Pernambuco me levou a ver várias montagens de peças dele, como Uma mulher vestida de sol; A farsa da boa preguiça; O santo e a porca, e A história de amor de Romeu e Julieta, esta com a saudosa Cristine Cid no elenco. Nunca vi uma encenação de O auto da compadecida no teatro, mas li o livro que tenho em casa, vi a versão feita para a TV e a edição dela para o cinema, ambas dirigidas por Guel Arraes, único diretor da televisão em quem Ariano confiava até aparecer Luiz Fernando Carvalho, que dirigiu em 2007 A pedra do reino. Gravei os episódios numa fita VHS para ver e rever, o que pretendo fazer em muito breve.

Xilogravura de Gilvan Samico
Porém, um dos primeiros contatos que tive com o universo de Ariano foi por intermédio da música, com os CDs do Quinteto Armorial que comprei em meados dos anos 90 numa ótima loja que já não existe mais há muito tempo, na Rua São José, no Centro do Rio. O Quinteto Armorial foi um dos filhos mais talentosos e famosos do Movimento de mesmo nome idealizado e concebido por Ariano Suassuna no início da década de 70 na Universidade Federal de Pernambuco que além da música envolvia outras artes, como a dança, a literatura, as artes plásticas (a xilogravura especialmente), teatro, cinema e arquitetura. Um legado cultural inestimável.

Quinteto Armorial: Antonio Nóbrega
é o da direita, com a rabeca
O Quinteto Armorial revelou ainda muito jovem o rabequeiro, cantor, compositor, dançarino, ator e “brincante” Antonio Nóbrega, parceiro de Ariano em músicas e também em várias aulas-espetáculo que o mestre apresentou pelo Brasil nos últimos anos. Do Quinteto Armorial cheguei à musica medieval, à Música Antiga da UFF, ao Anima, que me levou a outro mestre, Rubem Alves, falecido há poucos dias, e a Antulio Madureira, irmão de Antonio Madureira, maestro do Quinteto Armorial. E todos os integrantes deste círculo que tracei e muitos outros me levaram sempre de volta à nascente ariana que tão caudaloso rio fez correr por essas terras, abrindo veios, afluentes, fecundando tanta arte neste país.

Viva Ariano, toque outra vez a gaita mágica do João Grilo e desmorra novamente para impedir que este rio imenso chamado Brasil seque de vez!


Vídeo: Martelo Agalopado (Ariano Suassuna/Antonio Nóbrega), com Quinteto Armorial

sexta-feira, 18 de julho de 2014

É PRECISO RESPEITAR A DOR DO UNIVERSO

Sou verdadeiramente fascinado por coros. Não é por acaso que o "Réquiem" de Mozart me derrubou à primeira audição, nem tem tantos anos assim - pelo menos eu acho que deveria, por obrigação, ter ouvido bem antes essa obra-prima, que na verdade só teve as suas três primeiras partes finalizadas pelo gênio austríaco (Introito, Kyrie Eleison e Dies Irae), as outras ficaram por conta de seu discípulo Franz Xaver Süssmayer. 

Mas não é o "Réquiem", que já utilizei neste blog exatamente com a interpretação destes três movimentos para ilustrar a poesia "Oferenda (ou Canção de um ser dilacerado)", nem  Mozart os protagonistas deste texto, mas Eric Whitacre, que conheci há poucos minutos num vídeo do TedTalks, no Netflix.

Nesse vídeo de março de 2011, ele conta como desistiu de ser um astro pop da música para se tornar um maestro, como se apaixonou por coros e como teve a idéia de reunir vozes do mundo todo para fazer coros virtuais de algumas de suas composições. Procurei depois outros no youtube e me comovi com alguns, é um trabalho realmente impressionante e de uma beleza desmesurada. 

Porém, foi quando vi e ouvi esta apresentação ao vivo abaixo, de 2009, que me voltou à cabeça uma frase que tinha surgido em minha mente horas antes e já parecia que não retornaria mais: "É preciso respeitar a dor do universo". Cá estou, respeitando e velando por todas as dores e celebrando a intensa felicidade que uma obra de arte pode resgatar mesmo de algo aparentemente tão triste.

Isto tudo me remeteu a uma conversa via facebook que tive ontem com meu grande amigo Bruno Lobo, sobre ordem e desordem, após ler uma poesia de sua autoria. Citei Raduan Nassar ("Em toda ordem há uma semente de desordem", de Lavoura Arcaica) e posteriormente me lembrei de Chico Buarque e a sua "Eu te amo" ("Na desordem do armário embutido, meu paletó enlaça o teu vestido, e o meu sapato ainda pisa o teu"). 

A ordem e a desordem em ordens inversas, se complementando, como nesta "chuvada" que me trouxe à mente também uma queimada, onde pingos grossos castigam o chão, labaredas crepitam em galhos e folhas secas. Os opostos se fundindo, difundindo e dando vazão a tanta imaginação e criação e alegria.


Vídeo: "Cloudburst" (Eric Whitacre), com VocalEssence, St. Olaf Choir e Minnesota High School Honors Choir.

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A música é interdisciplinar

domingo, 13 de julho de 2014

O QUE NÃO SE PODE PERDER É A ESSÊNCIA

Sim, eu sei, na vida é preciso sempre tocar em frente. Mas é necessário que não se esqueça jamais tudo de bom construído durante a jornada e o que levamos como o bem mais precioso dentro de nós, aquilo que nos caracteriza, nos diferencia, que faz não só os outros, mas nós mesmos, nos reconhecer.

É assim também com uma nação e sua cultura. Ei, Brasil, vamos tocar em frente, sem virar as costas para o que de mais belo você criou e consolidou para o mundo. Sua cultura e sua arte são os seus bens mais preciosos, genuínos. Por que você os tem deixado para trás? Por que destruir o que se tem de melhor?

Respeite sua essência, respeite sua cultura, respeite seu futebol, sua música, sua arte. Isso é o que temos de melhor, e é onde eu me reconheço em você. E você em mim.



Vídeo: "Tocando em frente" (Almir Sater/Renato Teixeira), com Almir Sater
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terça-feira, 8 de julho de 2014

FUTEBOL BRASILEIRO X SELEÇÃO BRASILEIRA

Tostão e Pelé em 1970
O óbvio, Nelson já dizia, é muito difícil de ser enxergado. E demorei mesmo bastante tempo para ver que gosto muito mais do futebol do que da seleção brasileira. Acrescento e explico: do futebol brasileiro que aprendi a admirar muito novo e que me fez querer assistir qualquer partida na TV ou no estádio sempre que possível. E me fez sonhar um dia me tornar um craque da bola - mas só tive alguns bons momentos em asfaltos e calçadas, campinhos de terra batida, quadras de cimento ou taco corrido, gramados mal-tratados e até em poucos "tapetinhos verdes".

Garrincha, Pelé e Djalma Santos em 1958
Antes os sentimentos se confundiam, porque na seleção jogavam os jogadores que mais admirava, tanto no meu time como no de alguns dos meus amigos e de outros que nunca conheci por morarem em outros estados. E eu os via quarta e domingo, no Maracanã ou em casa, sempre com prazer renovado. Talvez hoje goste até mais desse jeito de jogar do que do meu time, que cada vez mais se afasta de tudo que gosto de ver em campo. E por isso tenho visto cada vez menos jogos de nossas competições. Exatamente por causa deste imenso afeto que tenho por este futebol de ginga e elegância, dribles, troca de passes rápidos e lançamentos perfeitos e com efeito, inventividade, agilidade, habilidade que foram rechaçados pro mato, porque o jogo é de campeonato. Não é uma questão de jogar bem ou mal, mas de estilo, filosofia de jogo, característica, cor própria.

O time brasileiro nesta Copa, com raríssimas exceções (Neymar, já fora, e os zagueiros como as principais delas), segue esta linha da botinada na bola e no adversário e da correria desenfreada, com  um meio-de-campo duro e sem imaginação. Por isso não posso torcer por ele, como não torci em 1990, 1994 e 2010. Torcer por equipes como essas seria, guardadas as devidas proporções, como torcer para um fânque, axé, gospel, sertanejo universitário num concurso internacional de "música" só por ser defendido por alguém que nasceu no Brasil. Seria como assistir a uma briga do MMA ou UFC. Seria trair essa minha imensa afeição pelo futebol do meu país, que para mim é uma identidade, como a nossa verdadeira música, a nossa arte.

Falcão, Júnior, Sócrates e Zico em 1982
Torcer para a equipe amarela que joga feio e faz questão de achar isso bonito é torcer contra o que creio e admiro. Não é saudosismo, apenas o desejo que renasça aqui o que muitos países já estão fazendo - mesmo ainda sem grandes gênios da bola - como foi possível ver durante a Copa que acabará no próximo domingo.

No vídeo acima desconsidere a parte inicial, muito ufanista para o meu gosto, e parta direto para alguns dos mais belos gols da seleção brasileira.

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