Estou espantado com a passividade com que foi encarada até agora a tal reforma ortográfica da Língua Portuguesa. Passividade de um lado e do outro um movimento quase festivo de meios de comunicação que já anunciam suas adesões precoces à grande novidade. Manuais já circulam pela internet para que todos estejam inteirados do que mudará. Eu, como jornalista e escritor e antes de tudo cidadão, sinto-me aviltado por uma reforma que teve como manipuladores burocratas e pseudo-intelectuais.
Não sei ainda como isso está sendo encarado em Portugal, por exemplo, mas aqui, repito, eu me vejo perplexo com a submissão alegre com que está sendo acatada esta mudança decidida por uma minoria. As línguas e os dialetos são vivos, mas historicamente os "poderosos" sempre quiseram unificá-los, padronizá-los, pasteurizá-los, aprisioná-los ou exterminá-los. Fico imaginando o que deve estar se passando na cabeça dos professores de Português a esta altura do campeonato. Muito do que ensinam com dificuldades cada vez maiores não valerá mais daqui a alguns meses.
Dizem os defensores da reforma que ela é ínfima, que pouco afetará os que vivem da Língua. Como ínfima, se cada vez que alguém escrever “pode” não saberei se é no passado ou no presente, já que o acento circunflexo que os diferenciava cairá? O que dizer do “para” preposição e o “pára” do verbo “parar” que passarão a ser escritos da mesma forma? E a abolição do trema - que já li numa página na internet como “aqueles dois pontinhos chatos em cima do u” - que nos ajuda a pronunciar corretamente palavras como “lingüiça”, “freqüente” e “tranqüilo”, quais seqüelas nos deixará? Sequelas! E os portugueses – e muito proavelmente os outros cidadãos de países de Língua Portuguesa, fora o Brasil – que serão obrigados a retirarem o “c” que pronunciam de “facto” no seu dia-a-dia?
Lanço este pequeno manifesto de resistência em defesa dos interesses daqueles que com muita dificuldade, mas com muita dedicação e amor à Língua Portuguesa, lidam diariamente com a escrita e a leitura. Não só brasileiros, mas também portugueses, angolanos, moçambicanos, caboverdianos, timorenses do Leste, santomenses e guineenses. Não é nos padronizando que vão nos unir. Viva a diferença!
Vídeo: "Angola", com a caboverdiana Cesaria Evora.
Veja também:
Gasolina no Incêndio 5
Nem alegre, nem triste: poeta. Aprendendo a amar, nunca chegando na hora marcada.
sábado, 18 de outubro de 2008
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
GASOLINA NO INCÊNDIO 5
Com "Gasolina no Incêndio" (agora também no orkut, clique aqui) pretendo provocar quem aqui venha, mexer com os brios mesmo. Incomode-se, reclame e até xingue se achar necessário, mas aqui não cabe a indiferença. Não vou censurar nenhum comentário, mas assuma-se, não se esconda no anonimato (in)conveniente, nem com apelidos irreconhecíveis. A quinta questão-provocação é a seguinte:
Mesmo numa relação entre dois seres do mesmo sexo, ela só é possível quando há o encontro do masculino de um com o feminino do outro. É a natureza.
Veja também: Gasolina no Incêndio 4
Gasolina no Incêndio 6
Gasolina no Incêndio 9
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
O FIM DA EVOLUÇÃO *
Um grupo de amigos tomava animadamente uns chopes num bar agitado da cidade, quando um conhecido bêbado passou pela mesa e, saudando efusivamente a todos, sentou-se sem ser convidado para participar do papo. Porém, não deixou ninguém mais falar. Contou um sem-número de histórias, e quando a rapaziada, já cansada de álcool na cabeça e do papo do bêbado, ameaçou pela décima vez se levantar para ir embora, ele prometeu que contaria a última. Pedida a décima “saideira”, o pau d’água - ressaltando pela terceira vez que não se tratava de uma piada - começou a contar a derradeira - e a única verdadeira, embora fictícia - história da noite:
"Um anjo novo desceu à Terra com a missão de descobrir como os homens estavam evoluindo e escolheu aterrissar num grande país emergente chamado Vera-Efígie. O enviado do Céu tinha o dom comum a todos os seres celestes de arrancar a verdade nua e crua de quem quisesse e era o que usaria nessa expedição. A primeira visita do anjo foi a um grande empresário, dono de uma fábrica de eletrodomésticos. E a ele perguntou:
- O que o senhor tem de fazer para que o seu negócio prospere?
- Bom, para responder a essa pergunta vou dar um exemplo: as geladeiras. Tenho de fabricar o maior número delas, o mais rapidamente possível, para vendê-las logo, o mais que puder. Mas, para que isso ocorra, preciso fabricar as geladeiras de uma forma que elas tenham um tempo de funcionamento curto, para que as pessoas precisem sempre comprar uma nova.
O anjo ficou assustado com a resposta e foi visitar o dono de uma financeira, a quem perguntou o que era necessário para que o seu empreendimento fosse em frente. O entrevistado foi curto e seco:
- Ora, que as pessoas estejam sempre endividadas, precisando de dinheiro! Cada vez mais!
Veja também:
Foi como um soco na boca do estômago, mas o enviado celestial seguiu em frente para visitar um conceituado advogado e perguntou como ele alcançaria o sucesso em sua profissão. E assim veio a resposta:
- É preciso que haja o maior número de conflitos entre as pessoas para que eu possa trabalhar em mais casos. E quanto mais dinheiro envolver, melhor, ganho mais!
O anjo ficou triste, porém se despediu cordialmente, como era de seu feitio, e foi se encontrar com o dono de uma imensa rede de hospitais e fez a ele a mesma pergunta. Ele ouviu o seguinte:
- Que haja muitos doentes, de preferência com enfermidades graves para que meus hospitais estejam sempre cheios. Mas é importante mantê-los respirando o maior tempo possível. Ganho muito com as diárias dos que ficam internados.
Indignado, o visitante partiu praticamente sem se despedir e foi visitar os proprietários de um famoso plano de saúde. E repetiu a pergunta de sempre, ao que eles responderam:
- É muito simples: basta que a saúde pública seja cada vez mais ineficiente. Porém, o melhor é que os nossos fregueses, ou melhor, clientes, não fiquem doentes, para que a gente não precise desembolsar muito. Mas a gente sempre dá um jeito de não pagar tudo, as leis nos protegem.
O anjo ficou arrasado, mas foi visitar o dono de uma empresa de segurança, que respondeu com indiferença:
- É só a violência continuar crescendo. Cada vez mais!
Já com a certeza de que as coisas iam muito mal em Vera-Efígie, em particular, e no mundo, como um todo, foi se preparando para ouvir algo mais animador de um padre e um pastor. Foi ouvi-los separadamente, mas a resposta de ambos foi em coro, nada angelical:
- É necessário, meu filho, que a pobreza e o desespero estejam presentes entre todos para que eles venham recorrer ao que oferecemos: o conforto do reino dos céus.
O anjo já não sabia mais onde encontrar esperança, mas não desistiu da última entrevista. No entanto, antes de fazer a pergunta que tão decepcionantes respostas lhe trouxera, não resistiu e desabafou. Contou todo o que ouvira, lamentando-se, e, por fim, repetiu a indagação. O entrevistado afirmou:
- Eu preciso que toda esta situação permaneça, meu anjo. Com TV, jornais, rádios, escolas e faculdades nas minhas mãos e nas de meus amigos, divulgo a ignorância sem que ninguém perceba. Assim fica muito fácil prometer melhorar as coisas e faturar muito com isso - respondeu um dos políticos mais bem votados em toda a história do país, com um cínico sorriso no canto da boca".
* Este conto, que estará num livro a ser publicado num futuro próximo, originalmente publicado neste blog em 2 de outubro de 2008, foi republicado em 31 de julho de 2023.
Veja também:
A música é interdisciplinar
Nau Poesia: Espiral do tempo
Trecho do ebook "Velhos conhecidos"
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