UMA COISA JOGADA COM MÚSICA - CAPÍTULO #41
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| Brasil x Hungria, na Copa de 54: Castilho salta para defender a bola, acossado por Czibor. Os brasileiros Pinheiro (de bigode), Djalma Santos (2) e Bauer acompanham o lance. Foto: CBF |
O heavy metal fez uma parte do público curtir e balançar
cabeça no bar Além da Imaginação. Porém, outra parte se dispersou, foi ao
banheiro, pegar um ar do lado de fora. Ceguinho Torcedor, então, deu como se
fosse um passo, um passe pra trás, recuando um pouco com a intenção de o jogo abrir novamente.
Ceguinho Torcedor: - Aquele Santos era o maior do
mundo, muito melhor que o escrete húngaro do Armando Nogueira!
João Sem Medo: - O escrete húngaro de 54 era
espetacular, mas não era imbatível, Ceguinho. Tanto que perdeu, de virada, a
final da Copa pra Alemanha Ocidental.
Idiota da Objetividade: - Os húngaros eram os campeões
olímpicos e chegaram à final sem saber o que era derrota há mais de quatro
anos, num total de 31 jogos invictos. Em novembro de 53, golearam por 6 a 3 os
ingleses em Wembley, onde os donos da casa não eram derrotados por uma seleção
não-britânica desde 1901. Este é chamado de O Jogo do Século, eleito pela Fifa
como um dos mais sensacionais de todos os tempos. Na revanche pedida pelos
ingleses, menos de um mês antes da Copa de 54, os húngaros fizeram ainda
melhor, venceram por 7 a 1, em Budapeste. Esta é a pior derrota da história do
futebol inglês até hoje.
Garçom: - Esse negócio de 7 a 1 eu não gosto
muito, não.
Alguns riem, outros fazem cara feia.
Idiota da Objetividade: - Já no Mundial da Suíça,
massacraram os alemães ocidentais na primeira fase, com uma vitória de 8 a 3.
Sobrenatural de
Almeida: - Não
estive na Suíça, mas foi assombroso. Deve ter sido algum parente distante meu
que tirou aquele título da Hungria.
Ceguinho Torcedor: - Os húngaros eram favoritíssimos e
abriram 2 a 0 no início da grande final.
Idiota da Objetividade: - Acabaram derrotados por 3 a 2. Mas
teve um gol de Púskas invalidado no fim da partida que gerou muita discussão.
Sobrenatural de
Almeida: - Foi um
parente distante na Suíça, só pode.
Garçom: - O Brasil perdeu da Hungria naquela
Copa, não foi?
Ceguinho Torcedor: - Perdemos.
E por quê? Pela superioridade técnica dos adversários? Absolutamente. Para nós
brasileiros, o futebol não se traduz em termos técnicos e táticos, mas
puramente emocionais. Em técnica, brilho, agilidade mental, somos imbatíveis. Antes
do jogo com os húngaros, estávamos derrotados emocionalmente. Fomos derrotados
por uma dessas tremedeiras obtusas, irracionais e gratuitas. E não era uma pane
individual: era um afogamento coletivo. Naufragaram, ali, os jogadores, os
torcedores, o chefe da delegação, o técnico, o massagista. Mas quem perde e
ganha as partidas é a alma. Foi nossa alma que ruiu face à Hungria, foi a nossa
alma que ruiu face ao Uruguai, em 50. Um Freud seria muito mais eficaz na boca
do túnel do que um Flávio Costa, um Zezé Moreira, um Martim Francisco. Só um
Freud explicaria a derrota do Brasil frente à Hungria, do Brasil frente ao
Uruguai e, em suma, qualquer derrota do homem brasileiro no futebol ou fora
dele.
Sobrenatural
de Almeida: - Os psicólogos e as
psicólogas já estão no futebol tem tempo, Ceguinho.
João
Sem Medo: - Agora não tem mais desculpa. Se bem que
tem uma turma de palestrantes motivacionais...
Garçom: - Melhor deixar quieto, seu João.
João
Sem Medo: - É. Não compro mais briga por tão pouco.
Idiota da Objetividade: - A Hungria, sem Púskas, porque
estava machucado, mas com Hidegkuti, Kocsis e outros grandes craques, eliminou a
seleção brasileira nas quartas-de-final, com uma vitória de 4 a 2. Foi uma
partida muito tumultuada e teve confusão no fim.
João Sem Medo: - Tínhamos grandes jogadores também,
como Djalma Santos, Nilton Santos, Didi, Pinga, Julinho Botelho, mas a seleção
não estava bem preparada.
Músico: - Seu João, desculpe interromper, mas antes daquela Copa, os paulistas,
especialmente os corintianos, levavam muita fé no Baltazar, o Cabecinha deOuro...
Idiota da Objetividade: - Baltazar foi o autor do primeiro gol do Brasil
naquele Mundial, na goleada de 5 a 0 sobre o México. Mas depois de enfrentar a
Iugoslávia, ficou fora da partida contra a Hungria.
Músico: - Mas a esperança nos gols dele pela seleção eram tão grandes que o
compositor e radialista Alfredo Borba, autor da música “Gol de Baltazar”, gravada por ElzaLaranjeira em 1953, em homenagem ao artilheiro do Corinthians, com citação a
vários de seus companheiros, fez uma adaptação da música para a Copa de 54 e
pôs o título de “Gol do Brasil”.
Garçom: - Por isso, vamos chamar a cantora Elza Laranjeira ao palco pra cantar esta versão pra gente, juntamente com o narrador Geraldo José de Almeida.
Elza e Geraldo se dirigem ao palco e chamam Baltazar pra ir
com eles. Os três são muito aplaudidos.
Elza Laranjeira: - Muito obrigado. Foi uma honra muito grande gravar as duas
versões desta música em homenagem ao grande artilheiro Baltazar.
Geraldo José de Almeida: - E de minha parte, um prazer enorme fazer a locução de um gol deste grande artilheiro pela seleção brasileira, mesmo sendo uma criação do Alfredo Borba, que ali está e gostaria que viesse ao palco também, por favor.
Alfredo Borba atende o chamado de Geraldo José de Almeida e também é muito aplaudido pelo público.
João Sem Medo: - A festa e a alegria aqui são muito bem-vindas, mas em 54,
na Suíça, os dirigentes, o técnico Zezé Moreira e os jogadores não conheciam
sequer o regulamento.
Idiota da Objetividade: - Depois de passar pela primeira vez
por eliminatórias, com quatro vitórias em quatro partidas, contra Paraguai e
Peru, a delegação brasileira também foi pela primeira vez de avião para uma
Copa do Mundo. Na estreia, como já dissemos, a seleção venceu o México, por 5 a
0, na estreia na Copa de 54. Em seguida, enfrentou a Iugoslávia com ambas as
equipes necessitando apenas de um empate para se classificarem.
João Sem Medo: - Um regulamento esdrúxulo, mas que
os brasileiros tinham obrigação de conhecer.
Idiota da Objetividade: - Eram dois cabeças de chave por
grupo e ambos não se enfrentavam; as outras duas seleções também não se
confrontavam. No Grupo 1, o do Brasil, a França era a outra cabeça de chave.
Como a seleção brasileira derrotou o México, e a Iugoslávia venceu a França,por 1 a 0, o empate classificava as duas equipes para as quartas-de-final.
João Sem Medo: - O regulamento ainda previa uma
prorrogação, sabe-se lá por quê. O jogo estava 1 a 1, o time do Brasil se
esforçando ao máximo pra tentar a vitória, enquanto os iugoslavos jogavam
tranquilos, os brasileiros se desesperavam em campo achando que teriam de fazer
um jogo extra três dias depois. Ninguém na delegação brasileira conhecia o
regulamento da Copa. Enquanto ainda estávamos surpresos com a classificação, os
iugoslavos bebemoraram e dançaram à vontade depois do jogo, no hotel em que
estavam hospedados.
Idiota da Objetividade: - Os brasileiros só ficaram sabendo
que a seleção estava classificada pelos repórteres que foram ao vestiário após
o jogo. Ainda assim dirigentes foram atrás do árbitro da partida e o
representante da Fifa para confirmarem a informação.
João Sem Medo: - Os dois ficaram horrorizados com o
desconhecimento do regulamento por parte dos brasileiros. Isso mostra bem como
estávamos na Suíça.
Sobrenatural de
Almeida: -
Assombroso!
Fim do Capítulo #41
Episódio originalmente publicado em 9 de novembro de 2022 e republicado totalmente modificado em 22 de outubro de 2025.
Esta série é uma homenagem especial a João Saldanha e Nelson Rodrigues e também a Mario Filho e muitos dos artistas da música, da literatura, do futebol e de outras áreas da Cultura do nosso tão maltratado país.
Saiba mais clicando aqui.



Caro Edu, essa história de desconhecimento do regulamento, em 1954, é patética. Mas era uma época "romântica" e o profissionalismo ainda engatinhava. Tinha suas vantagens também!🤓
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