sexta-feira, 30 de julho de 2010

UM SONHO CHAMADO KUROSAWA

Akira Kurosawa, falecido em 1998 (completaria cem anos em 23 de março deste ano), foi um cineasta que conseguia ser delicado e deixar esperança mesmo nas cenas mais tristes de seus filmes. Sonhos, de 1990, talvez seja o que melhor resume a sua extensa filmografia. Com o filme já lançado em DVD há alguns anos, isso pode ser confirmado por fãs e aqueles que se propuserem a conhecer o trabalho meticuloso do mestre japonês.

Aliás, começar a conhecer a obra de Kurosawa por Sonhos é uma excelente idéia. Não que este filme, dividido em oito episódios que vão desde o mais puro lirismo à denúncia metafórica da estupidez humana, seja o melhor que filmou – aliás, tarefa inglória para quem se propuser a elegê-lo. Mas sim porque ele sintetiza bem o que o cineasta entendia por cinema.

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O perfeccionismo de Kurosawa foi bastante comentado durante sua vida. Conta-se que o cineasta chegava muitas vezes a quase levar à loucura os atores de seus filmes por esperar dias e dias numa locação, aguardando a luz natural ideal para iniciar a filmagem de cenas que costumava desenhar com antecedência. O resultado disso são verdadeiras obras-primas, repletas de poesia e exaltação da vida e da Natureza.

Em Sonhos, Kurosawa parte de dois episódios compostos do mais puro lirismo: Sol em Meio à Chuva e O Pomar de Pêssegos, versos em profusão são lançados nas imagens com uma economia de palavras bastante pertinente. No caso deste mestre do cinema, verdadeiramente uma imagem valia por mil palavras.
A Nevasca, o terceiro episódio, apresenta uma luta angustiante de homens contra a fúria da Natureza, com imagens que traduzem com nitidez o que quase não mostra, devido exatamente à nevasca. Em O Túnel, a quarta história, e O Monte Fuji em Vermelho, a sexta, o tema é a guerra, sendo que nesta última os raios coloridos da radioatividade no céu entram em consonância com o episódio anterior, Corvos em razão das cores.

Neste, Kurosawa homenageia o pintor holandês Vincent Van Gogh, interpretado no filme pelo também cineasta Martin Scorsese. Os devaneios do cineasta japonês ganham contornos surreais, embora não fosse este o estilo do homenageado. Mas as cores vivas do quadro de Van Gogh estão lá, quando um personagem, encantado com a obra, é levado para dentro dela. Ao som da Nona Sinfonia de Beethoven, o homem aprende com o pintor – e com Kurosawa – que só consegue pintar (e escrever, filmar, fotografar, compor, criar enfim) quem se envolve inteiramente, no caso, com a Natureza.

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O penúltimo episódio, O Demônio Chorão, é impossível não se remeter ao Inferno de Dante Alighieri e também à tragédia de Hiroshima e Nagasaki – aliás, algo já mencionado em O Monte Fuji em Vermelho e tema de outra obra sua Rapsódia em Agosto, de 1991. Com cenas fortes, Kurosawa “condena” o homem a colher o que plantou com a corrida armamentista, as guerras nucleares e a ganância.

O filme é fechado com uma história de uma beleza esfuziante não por imagens fantásticas e mirabolantes, mas pela simplicidade, que deveria caracterizar a vida de todo ser humano. A relação ideológica deste episódio com Dersu Uzala, de 1975, é imediata: na Natureza o homem encontra tudo o que necessita para viver, e bem.

Povoado de Moinhos é um libelo à vida simples, que só se torna repleta exatamente por isso. Um velho sábio demonstra a um rapaz urbano que as coisas mais importantes na vida são a água e o ar puro. Para encerrar a história e o filme da melhor forma, Kurosawa leva o rapaz a assistir a um cortejo festivo em celebração da morte de uma senhora de 99 anos. Como em O Pomar de Pêssegos, a dança e a música e, em resumo, as artes em conjunto, estão presentes.


Além de Sonhos, os fãs do cinema de Kurosawa encontram muitos outros filmes do mestre japonês em DVD como Ran, Os Sete Samurais, Yojimbo, Dersu Uzala, Rashomon, Rapsódia em Agosto, entre outros.

Ficha Técnica
Akira Kurosawa's Dreams (120 minutos, Cor, 1990)
Diretor: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa
Fotografía: Takao Sato
Música: Schinichiro Ikebe
Montagem: Tome Minami
Direção artística: Yoshiro Muraki
Produtoras: Hisao Kurosawa, Mike Y. Inoue
Atores:
Akira Terão, Mitsuko Baisho, Toshihiko Nakano, Mie Suzuki, Mieko Harada, Masayuki Yui, Shu Nakajima, Sakae Kimura, Martin Scorsese, Hisashi Igawa, Chishu Ryu, Tessho Yamashita, Misato Tate, Catherine Cadou, Mugita Endo, Ryujiro Oki, Keiki Takenouchi, Kento Toriki, Tokuju Masuda, Masou Amada.
Distribuidora em vídeo e DVD: Warner


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8 comentários:

  1. Nossa, que bom que você escreveu sobre Kurosawa. Texto, ilustrações e áudio: tudo perfeito!
    Beijos.

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  2. Valeu, linda. Vou escrever aqui sobre outros mestres do cinema e de outras artes que admiro.
    Beijão.

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  3. ASSISTI INUMERAS VEZES ESTE E OUTROS OTIMOS FILMES DO KUROSAWA! DREAMS É UMA HISTORIA TENDO COMO CENARIO QUADROS DE VAN GOGH ...

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  4. Obrigado, Vilson. É um filme pra ver e rever inúmeras vezes. Aliás, como tantos outros do mestre Kurosawa. Abração, volte sempre.

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  5. Que beleza de artigo, Eduardo! Obrigada!! Mergulhei na leitura percorrendo cada cena. Realmente um filme inesquecível!

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    1. Eu que agradeço, Lorena! Ainda mais por ter vindo comentar novamente depois que deu um probleminha na primeira tentativa. Volte sempre. Bjs

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  6. Nossa! Sabe que ainda não assisti a esse filme dele! Muito bom o seu artigo. Me motivou. Valeu!

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