Agora em novembro, o mundo todo está celebrando os 20 anos da queda do Muro de Berlim, e fico me perguntando quantos muros – e grades pontiagudas – foram erguidos por aqui desde a década de 80. Incontáveis, e os piores deles não são os que enxergamos diariamente a olho nu, mas os que foram construídos ao longo do tempo dentro de cada um.
Com tantos muros feitos para proteger, esconder, o que afloram nos dois lados das imensas paredes são a mentira, as frustrações, a discriminação, a agressão, a multiplicação da violência e da estupidez. Da defesa para o ataque se parte aqui com uma rapidez que faria inveja aos melhores velocistas.
Assistia na TV por esses dias a um bom programa em que se questionava o fato de meninos e meninas serem submetidos a competições esportivas cada vez mais cedo. Isso me lembrou a Cortina de Ferro e sua máquina de fazer esportistas cientificamente - muitos formados à base das mais pesadas drogas - como propaganda dos governos comunistas em tempos de Guerra Fria. Propaganda de governo... alguém aí pensou em Copa 2014 e Rio-2016?
Bom, neste programa vi e ouvi as maiores sandices de pseudo-técnicos e pais sobre os “valores” que são passados para seus pupilos nos treinos e jogos. Muitos desses “ensinamentos” passados aos berros e com não poucos palavrões.
Nada surpreendente, basta ir a um jogo qualquer de futebol com meninos de 10, 11 anos (ou até menos), assistir a uma inocente aula de escolinha ou mesmo ir a uma festa junina de colégio. Prestem bastante atenção no comportamento dos pais e entenderão. Está aí o embrião da sociedade que vem sendo construída nos últimos 20, 30 anos, com os gigantescos muros da competitividade, que fazem do outro um inimigo, não um adversário, nem mesmo o próprio companheiro de equipe. Esses pais ensandecidos não matriculam seus filhos para praticarem um esporte, mas para se tornarem atletas, muitas vezes aqueles que eles não conseguiram ser por algum motivo qualquer. Desde que nasce, o pimpolho já é adestrado a pensar em vencer, somente em vencer. E a odiar ou desprezar quem perde. Ele já nasce se profissionalizando, já se preparando para o vestibular, aprendendo todos os truques e macetes para ser um vencedor. Custe o que custar.
Aprender a saber perder – e também a vencer com dignidade - a respeitar o companheiro e o adversário, o árbitro, os torcedores, ter liberdade para criar fora dos adestramentos mecanizados dos treinamentos - que devem ser repetidos nas partidas - nada disso é possível. As quadras que abrigam jogos infantis de futsal e basquete, por exemplo, são um microcosmo desta sociedade que passo a passo – cada vez mais velozes e violentos – caminha rumo à imbecilidade e à estupidez total.
Crianças são xingadas por treinadores e pais – às vezes os seus próprios, às vezes de outros, companheiros e adversários – todos ávidos por uma vitória redentora para suas vidinhas abaixo de medíocres. Uma legião de insanos! A “filosofia” é preparar o atleta, o profissional; a pessoa, o indivíduo, o cidadão, não importam. E essa criança, mesmo que não se torne no futuro um atleta profissional, será um ser competitivo ferrenho em todos os setores de sua vida, sem admitir derrota. Qualquer que seja ela – uma demissão, uma paixão frustrada, um gol contra numa simples pelada de fim de semana – será uma frustração inconcebível, que o levará à depressão ou à violência, certamente regada a entorpecentes dos mais variados tipos.
Que ironia, lembrei-me da Cortina de Ferro, mas é a sociedade estadounidense, de tantos jovens franco-atiradores, o nosso principal modelo. Há sempre maus elementos à espreita nos dois lados dos muros.
Vídeo: cena do filme "Pink Floyd - The Wall", dirigido por Allan Parker. Música: "Is there anybody out there?"
Ilustração: Gerald Scarfe, para o mesmo filme.
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O Fim de Tudo
Eu tenho certeza que todos os seus amigos incluindo eu se orgulham de você.
ResponderExcluirVocê é Brilhante!
O que mais surpreende é que essa competição está em todos os lugares, escolas, igrejas,clubes, família etc. O que nos deixa pasmo é em saber que pra muitos não importa a qualidade e sim a Vitória seja ela como foi conquistada. Vivemos num mundo de preconceito realmente. Por mais que você paga uma aula de Natação, Futsal ou Judô para o seu filho como é o meu caso ele só é valorizado se vencer sempre. Em determinados esportes tem que machucar o amigo pra ser o melhor. E por aí vai. Se não colocarmos esse muro de “Chega” na nossa vida vamos ser igual a eles essa sociedade mesquinha e hipócrita.
Só depende de Nós.
Só de Nós.
Muito obrigado minha amiga. Desculpe a imensa demora pra responder.rsrs Saudades de você. Beijos, Edu.
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