Recentemente comentei numa rede social sobre um dia ganho por ter lido uma pequena obra-prima, o conto "O Evangelho segundo Marcos", do livro "O informe de Brodie", do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), e a conexão mental e sensorial que fiz com o filme "Viridiana" (1961), do diretor espanhol Luis Buñuel (1900-1983). Em suma, as imprevisíveis e cruéis conseqüências da caridade cristã. Espero que quem conheça as duas obras venha me dizer se há insanidade, idiotice ou algo perfeitamente pertinente de minha parte. Pois bem, chego hoje em casa, já madrugada, após um ótimo encontro com velhos amigos, incluindo o meu irmão, Léo Neiva, e tenho a surpresa de ver que a locadora havia me enviado durante o dia o documentário sobre o excepcional LP "Who's next", de 1971, da mesma série (Classic Albuns) de "The dark side of the moon", do Pink Floyd, "Kind of blue", de Miles Davis, e outros que não me lembro e ainda não tive o prazer de assistir.
Este sempre foi o álbum que mais gostei do Who, especialmente pela balada-porrada "Behind blue eyes". Porém, só uns poucos anos atrás me detive mais à letra e um verso sempre me intrigou muito: "my love is vengeance that's never free" (meu amor é vingança que nunca é livre, corrija-me algum tradutor se eu estiver errado). Afinal, por mais questionador que seja, minha formação cristã ocidental tem uma força grande em meu sangue e minha mente, algo que por mais que se lute é difícil se desvencilhar. Tradição, cultura, inconsciente coletivo, nada disso se extirpa com facilidade, se é que é possível. Somos todos aqui filhos da pieguice do amor romântico, somos latinos e americanos, brasileiros, frutos da miscigenação do banzo e do fado, do lamento, do choro, da saudade.
Talvez seja, por isso, tão complexo, tão profundo, tão instigante e tão intenso este verso para mim. Como é o título do filme de Rainer Werner Fassbinder (1945-1982), "O amor é mais frio que a morte" (Liebe ist Kälter als der Tod, 1969), que já usei em forma de indagação em alguma poesia ou texto meu que já não me recordo agora. E vejo que tanto o verso da música, como o nome do filme me levam de volta a Borges e Buñuel, mas de forma invertida: nas obras do argentino e do espanhol haveria uma espécie de vingança pelo amor recebido. "O amor é mais frio que a morte" ainda não assisti, está na fila me esperando há anos, como alguns outros desse diretor alemão que tanto admiro e que conta, em apenas 37 anos de vida, com a impressionante marca de 43 filmes (sendo que "Berlin Alexanderplatz", de 1980, tem 15 horas e meia de duração). Porém, essa rede de conexões, tendo Towshend e Fassbinder como fios condutores, foi inevitável nesta alegre e produtiva noite.
Fotos: Rainer Werner Fassbinder, Jorge Luis Borges e a capa do filme "Viridiana".
Vídeo: "Behind blue eyes", The Who.
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A cruzada das crianças
A grandiosidade de Victor Hugo
A conversa continua
Admiro muito a sua cultura, amigo! A cada crônica, texto que leio de sua autoria, eu me invado de informações, sentimentos e estímulo à cultura geral! Obrigada, mais uma vez por partilhar toda esta sua habilidade conosco! Beijos, Regina.
ResponderExcluirMinha querida Regina, eu que nunca vou me cansar de agradecer seu apoio e carinho. Meu trabalho é fruto da minha vontade intensa de conhecer, de ver e perceber mais e mais. Fazer conexões, como o título dessa postagem. E não poderia ser egoísta de guardar isso comigo, como muitos colegas e amigos não são, e com os quais aprendo muito. Até os erros que possa cometer (e os cometo) são bons para que sejam corrigidos e possamos (eu e todos que prestigiam esse espaço) crescer sempre. Beijos.
ResponderExcluirOlá amigo...acompanhando a letra toda da música, eu faria uma tradução diferente da frase "My love is vengeance. That's never free."
ResponderExcluirNão entendo free como "livre", mas sim como "grátis". Dessa forma vc teria "Meu amor é vingança. Isso nunca é de graça", a vingança tem seu preço, sofrimento e tal, assim como o amor... visão bem diferente, né?
Oi minha amiga querida e sumida, apareceste em boa hora. Maravilhosa contribuição. Aclara um pouco, mas continua intrigante, pelo uso que se faz de um sentimento que se quer tão nobre. Enfim, assim rasteja a Humanidade, e Mr. Townshend soube (sabe) como poucos retratá-la. Porém, há um detalhe: em todos os lugares que vi a letra - tudo bem que não são 100% confiáveis - não há o ponto entre vengeance e that's. Faria alguma diferença na tradução? Bom, minha futura professora de inglês, a aula já começou.rsrsrs Beijos.
ResponderExcluirNão faz diferença para a interpretação...sem vígula ficaria "Meu amor é vingança que nunca é de graça." Não acho que a nobreza do sentimento seja subtraída ao ser comparada a vingança.Pura constataçao de que tanto o amor quanto a vingança podem trazer sentimentos conflitantes, o q me parece bem viável...rs
ResponderExcluirObrigado, Mireide. Mas vendo o vídeo novamente percebi uma diferença na letra justamente neste verso. Em todos os lugares em que busquei-a estava "that's", mas no vídeo aparece "it's". E a impressão que tenho é que Roger Daltrey canta mesmo "it's". Faz muita diferença?
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