Há certas coisas que são tão intensamente boas que parecem não existir - e as ruins também, mas não é delas que desejaria falar. Quando passeio pelas ruas do meu bairro há momentos em que nem sinto caminhar, perco-me nos pensamentos, nos sonhos de episódios acontecidos e imaginados, fico vendo e revendo a arquitetura única de sua natureza e de suas casas e prédios antigos.
Quantas vezes percorri as ruas desse vale perdido na escuridão de noites que quase me apagaram, esbarrando com fantasmas que me perseguiam sem tréguas. Quantas vezes vi a luz de seu céu aberto colorir as folhas das amendoeiras. Folhas verdes, folhas vermelhas, folhas amarelas, folhas marrons. Quantas pisei como se andasse num tapete mágico por essas hoje maltratadas calçadas, cheias de sulcos cada vez maiores, saliências inconvenientes, interferências malfeitas nos irregulares asfaltos.
Tendo à vista a onipresença fundamental da pedra imensa como uma guardiã divina, oro uma poesia que invento na minha caminhada para implorar que esta gigantesca santa preserve estas belezas da ganância imobiliária, dos sujismundos que insistem imaginar que é poesia ou pintura escrever garranchos ininteligíveis em seus muros, que é instalação artística grandes sacos pretos e azuis de lixo ou o cocô de seus cães nas calçadas. Preserve quem te preserva, não intacto, mas renovado, com o ar e o aroma frescos de tuas matas e o cantar de teus pássaros a cada fim de madrugada.
Que esta oração imperfeita ajude a manter a poesia das ruas do meu bairro e meu olhar atento e carinhoso para elas. Por mais tempo que seja possível.
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