Garrincha em ação num jogo contra o Tupynambás, em Juiz de Fora (MG). Foto: Roberto Dornellas |
Todos se divertem e aplaudem a bela música e o botafoguense Vinicius de Moraes, que estava passeando e resolveu entrar no bar Além da Imaginação para dar um abraço no pessoal. João Sem Medo aproveita e toca a bola queimando a grama pra Ceguinho Torcedor.
João Sem Medo: - Quem sabe muito sobre deste assunto de adultério é o nosso dramaturgo, não é Ceguinho?
São muito aplaudidos.
Veja também:
Sobrenatural de Almeida: - A letra desta
música só vai dar mais corda ao Ceguinho! Hahahahaha
Ceguinho Torcedor: - Nem você,
Sobrenatural de Almeida, está a salvo! Não se apresse em perdoar, a
misericórdia também se corrompe. Por isso, a fidelidade devia ser facultativa.
Ora, como já disse, o amor bem-sucedido não interessa a ninguém, minha gente.
Garçom: - Não é tanto
assim...
Idiota da Objetividade: - Eu acredito no
cidadão de bem!
Ceguinho Torcedor: - Idiota, convém
não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há, no ser humano, e
ainda nos melhores, como muitos que aqui estão, acredito, uma série de
ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las.
Há um repentino silêncio reflexivo em todo o
bar. E o povo dá uma dispersada, enquanto o grupo da mesa dá uma pausa pra
fazer uns pedidos ao garçom e ir ao banheiro. Nossos quatro personagens voltam à
mesa e Zé Ary toca a bola para eles.
Garçom: - Bom, senhores, vamos voltar ao futebol...
João Sem Medo: - Naquela excursão do Botafogo ao
México que estava falando antes, tive o privilégio de presenciar o nascimento
do “olé” no futebol. Quem inventou foi o Garrincha em parceria com cem mil
mexicanos que lotaram o Estádio Universitário pra assistir ao que os jornais de
lá chamaram de “O Jogo do Século”: o Botafogo, que eu dirigia na época e tinha
sido campeão carioca no finzinho de 57, contra o River Plate, que era o
tricampeão argentino e tinha 10 dos 11 titulares da seleção que disputou a Copa
de 58, poucos meses depois.
Ceguinho Torcedor: - Um jogo como esse tinha de ter sido filmado e passar na
sessão da tarde todos os dias!
Todos concordam.
Veja também:
João Sem Medo: - Foi ali, naquele dia, às vésperas do carnaval de 58, que
surgiu a gíria do “olé”. Não porque o Botafogo tivesse dado olé no River, não.
O jogo foi bem equilibrado, terminou empatado em 1 a 1, até jogamos bem
fechadinhos. Foi um olé pessoal, de Garrincha em Vairo, lateral do River e da
seleção argentina. Nunca assisti a coisa igual, meus amigos.
Silêncio absoluto na plateia e atenção total ao relato de
João Sem Medo.
João Sem Medo: - Só a torcida mexicana com seu traquejo de touradas
poderia, de forma tão sincronizada e perfeita, dar um “olé” daquele tamanho.
Toda vez que o Mané parava na frente do Vairo, os espectadores mantinham-se no
mais profundo silêncio. Quando Mané dava aquele seu famoso drible e deixava o
Vairo no chão, um coro de cem mil pessoas exclamava: “Ôôôôôô-lê”!
A plateia vibra como se assistisse ao que João narra.
João Sem Medo: - Uma festa completa.
Ceguinho Torcedor: - Garrincha tinha sempre nos pés uma bola encantada! Ou
melhor, uma bola amestrada.
Todos concordam.
João Sem Medo: - Tem mais, meus amigos! Num dos momentos em que o Vairo
estava parado em frente ao Garrincha, um dos clarins dos “mariachis” atacou
aquele trecho da “Carmen” que é tocada na abertura das touradas. Como é mesmo,
maestro?
O grupo no palco executa, então, o trecho inicial da abertura da ópera “Carmen”, de Bizet, citado por João.
Fim do Capítulo #23
Modificado e republicado em 24 de janeiro de 2025
Esta série é uma homenagem especial a João Saldanha e Nelson Rodrigues e também a Mario Filho e muitos dos artistas da música, da literatura, do futebol e de outras áreas da Cultura do nosso tão maltratado país.
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