Nada melhor do que ter uma tese reforçada por um mestre. Mesmo sem saber que eu existo, ou mesmo o que escrevi aqui no blog dias atrás (A Música é Interdisciplinar), um dos maiores compositores da história da música brasileira, João Bosco, disse que é preciso se dar mais atenção à questão educacional da música em bela e didática entrevista a Roberto D'Ávilla que foi exibida em sua primeira parte neste domingo na TV Brasil - prossegue no próximo domingo e eu mais que recomendo. Ele mencionou este pensamento logo após dar uma pequena aula sobre o samba sincopado, afirmando que a "sílaba forte" do batuque não é uma batida, mas o silêncio. E completou: "Isso é Matemática e Filosofia".
Obviamente que esta conexão (tudo a ver com o nome do programa!) me fez ficar com olhos, ouvidos, todos os sentidos vidrados na entrevista que peguei já iniciada e bem nesta parte que citei. Entre tantas outras pequenas lições que deu em menos de uma hora, destaco aqui mais uma: a de como João Gilberto - a quem muito respeito, mas de quem não sou grande fã - revolucionou o violão. Bosco mostrou no seu violão como seu xará baiano transpôs para as cordas o que anteriormente apenas instrumentos de percussão faziam. Para ele, João Gilberto reinventou esse instrumento tão identificado com a riquíssima música brasileira. E lembrei de um show que assisti em Salvador, no iniciozinho de 2006, no qual um violonista que infelizmente não me recordo o nome deu uma aula-espetáculo parecida, explicando como João Gilberto mudara o andamento do samba e chamando a atenção para o quase sussurrar de seu canto. Esqueci o nome do professor, mas não da aula.
Mas voltando ao outro João, Bosco também falou de Dorival Caymmi, que tinha a capacidade de transformar seu violão de acordo com o cenário que criava para suas músicas: praieiro, urbano ou de terreiro. E relatou também como, sendo um anônimo rapaz de Ponte Nova (MG), estudante de Engenharia em Ouro Preto (MG) no fim dos anos 60, reuniu coragem para ir até Vinicius de Moraes, que estava hospedado num hotel na cidade histórica mineira, para mostrar suas músicas, logo fazer uma parceria com o poeta na mesma madrugada e as conseqüências daquele dia.
Algum tempo depois, no início dos anos 70, Vinicius o chamou em sua casa no Rio para que João Bosco e seu grande parceiro, o estudante carioca de Medicina Aldir Blanc, apresentassem seus trabalhos a um grupo que tinha, entre outros, Tom Jobim, Chico Buarque e Toquinho. A pedido de Roberto D'Ávilla, João tocou inteira uma das músicas que tocou naquele dia: Agnus Sei. Gostaram tanto, que ele a gravou no Lado B de um compacto distribuído pelo jornal O Pasquim, tendo no Lado A a então inédita "Águas de Março", de e com Tom Jobim.
Sempre que ouço Agnus Sei, prestando muita atenção à poesia de Aldir, fico imaginando por quantos lugares e tempos na História música e letra percorreram até desaguarem na maravilhosa composição dessa dupla. E vou aprendendo assim mais algumas das lições de João.
Foto: Capa do compacto lançado pelo jornal O Pasquim no início dos anos 70, com Tom Jobim num lado e "o tal" de João Bosco no outro.
Vídeo: "Agnus Sei" (João Bosco/Aldir Blanc), com João Bosco.
Veja também:
Reencontro com Lobão
Para Milton e nossos amigos
Amigo, nunca havia prestado atenção na letra desta música! Como ela é atual, meu caro! O trecho:"Vencer satã só com orações
ResponderExcluirÁ andá pa catarandá que deus tudo vê
Á andá pa catarandá que deus tudo vê
Á anda, ê hora, ê manda, ê mata,
Responderei não!" Me remeteu ao que hoje vivemos no Brasil!