terça-feira, 4 de maio de 2021

O JOGO NÃO COMEÇA, NEM ACABA COM O APITO DO JUIZ

Alguém já deve ter dito isto, mas como ser inédito em matéria de futebol após mais de um século e meio de bola rolando é quase impossível, ouso não ser original: uma partida não se resume aos 90 minutos regulamentares, nem incluindo seus acréscimos, prorrogação e pênaltis, se houver. Um jogo de futebol, ainda mais aqueles mais importantes, começam muito antes do apito inicial e, em alguns casos, nunca terminam.

Pelé se prepara para fazer o gol da vitória sobre o Paraguai, nas eliminatórias da Copa de 70,
no Maracanã. Nesta partida registrou-se o maior público pagante da História do estádio: 183.341

E isso vale não só para os artistas do espetáculo, o trio de arbitragem, comissão técnica dos times, toda a gama de pessoas envolvidas dentro dos clubes (até um terceiro, um quarto ou mais interessados direta ou indiretamente no resultado) e seus torcedores (e os fãs dos demais times atentos por motivos objetivos e subjetivos). Talvez, ou melhor, certamente ainda se possa acrescentar pessoas que nem querem saber do jogo, mas são parentes, amigos, familiares, colegas de trabalho de alguém tão ligado naquela partida que de alguma forma influirá no humor (mau ou bom) de quem estiver por perto.

A carga de emoções levadas a campo é inimaginável. Etéreas, muitas; palpáveis até, algumas. O Sobrenatural de Almeida, personagem-fenômeno genialmente criado por Nelson Rodrigues, explica muito, sintetiza o que desejo abordar aqui, pois o inusitado, o inesperado, enfim, o sobrenatural pode explicar os acontecimentos, os gols e não-gols que determinam o resultado final de uma partida de futebol. Explicar não é bem o termo, mas induzir a algum entendimento, a uma lógica, a uma ordem que contém tantas variantes físicas, emocionais e espirituais que fica impossível alcançar os reais ou surreais motivos do placar final, e todo andamento, a influência de um montinho artilheiro, de um efeito na bola, do erro do árbitro (mesmo com auxílio do VAR), do frango, da desatenção mesmo em disputas tão tensas etc.

Expectativa, desejo de consagração, sonhos, realização, alegria, explosão de emoções, lágrimas, vida. Lágrimas de vida! 

Apreensão, desejo de revanche, frustrações mal resolvidas, mal digeridas, ódio, violência, choro, morte. Choro de morte!

Futebol.

Quantos ancestrais e antepassados de cada um dos milhões de envolvidos num jogo também não participam de alguma forma dentro e fora de cada indivíduo, influenciando no campo e fora dele, no andamento, nos acontecimentos de uma partida? Não citei jornalistas, radialistas, locutores, repórteres, comentaristas. Pois é, ainda tem mais estes. E maqueiros, funcionários do estádio e dos clubes...

Definitivamente, uma partida de futebol é muito, muito mais que um jogo de 11 contra 11 que se desenrola dentro das quatro linhas do gramado, com um árbitro e dois bandeirinhas. Como iniciei dizendo, começa muito antes e, em alguns casos, continua sendo jogado, arbitrado, comentado, criticado, exaltado, modificado, reinventado.

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Um ótimo exemplo é aquele Brasil x Itália do dia 5 de julho de 1982. Quantos "se", dos mais diversos, originais e repetitivos, você já ouviu sobre aquele jogo? Aquela - que continua sendo eternamente esta - é uma partida que me marcou profundamente e não falo só por mim, claro. Porém, como é talvez o jogo marcante de toda uma geração, da minha geração, não podia deixar de contá-lo num livro. E, em "Contos da Bola", o "5 de Julho de 1982" é apenas uma outra versão da mesma história tantas vezes contada, recontada, adaptada, das mais variadas formas.

Neste caso, o do livro, ali estão cinco garotos, mais a mãe e o tio de um deles, vivendo todas as emoções daquela derrota que se tornou "tragédia". Uma pequena pausa para um desvio rápido de rota: curioso que as "tragédias" no futebol brasileiro sempre foram caracterizadas por jogos perdidos dramática e milimetricamente, em que um, dois, três, poucos lances são lembrados, relembrados, remoídos com os tais "se" (a bola tivesse entrado, o goleiro defendido, o juiz marcado pênalti etc), enquanto um escandaloso 7 a 1 não passe de piadas, embora também lembradas, relembradas e remoídas.

Mas, voltando a 82 e ao livro, como ocorreu com muitos meninos (e meninas também, claro), aqueles cinco tiveram de dar um jeito de prosseguir o jogo depois do apito do árbitro israelense Abraham Klein. E continuam retomando em suas memórias, vez por outra, as sensações e as recordações daquele dia. O futebol nunca mais foi o mesmo, nem aqueles cinco, milhões de meninos (e meninas, jovens, adultos e maduros), depois daquela partida. E ela continua sendo jogada, comentada, criticada, exaltada, modificada, reinventada, inclusive nas páginas de Contos da Bola.

Aproveito para convidar você a ler este e os outros 18 contos do livro. Ele é facilmente encontrado nas seguintes lojas online (clique num dos nomes para ir direto ao site): Livraria da Cartola, AmazonAmericanasSubmarino, Shoptime, Mercado Livre, Magazine Luiza e Casas Bahia. Em breve estará disponível também o livro virtual (ebook).

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