A maior vitória conquistada pelos homens que amam o poder e dão a vida para mantê-lo é sem dúvida a imbecilização de seus subalternos. Investindo na falta de informação onde ela dificilmente chega e no treinamento por repetição, chamada pomposamente de educação democrática, nas áreas urbanas, onde a informação chega de qualquer forma - mesmo ao mais alienado dos seres -, os poderosos continuam vislumbrando um horizonte infinito à sua frente por vias democráticas.
Críticas ao baixíssimo nível da televisão são freqüentes nos jornais desde sempre, por exemplo. Para se ter uma idéia, Nelson Rodrigues, em uma crônica nos fins dos anos 60 (portanto há mais de 30 anos) já perguntava como se poderia ter uma televisão de alto nível se o público telespectador era de baixo nível intelectual. Mudou algo de lá para cá?
Li certa vez uma entrevista do diretor de teatro Antunes Filho afirmando ser muito difícil fazer peças de boa qualidade no Brasil porque o público de teatro havia piorado muito. Ele, porém, dizia que, apesar disso, não iria dirigir peças somente para agradar as pessoas. O verdadeiro artista é como o verdadeiro amigo, deve dizer exatamente aquilo que sente e não somente o que agrada.
No entanto, o que mais temos assistido por aí são “artistas” fazendo música, encenando peças, escrevendo livros para não decepcionar o seu público. E que público é este? Exatamente o mesmo que não tem qualquer tipo de exigência, nada questiona, tudo absorve e tem horror a algo diferente do padrão. E por quê? Porque foram treinados para serem assim. E assim são. E assim repetem os erros dos poderosos. E assim permitem aos poderosos continuarem onde estão. E o círculo se torna vicioso, nada muda.
Nada mais irritante numa sala de teatro do que a turminha do “urruu”. A turma que a tudo aplaude, mesmo que a peça tenha sido de baixíssima qualidade. Há logicamente uma parte dessa turma que é altamente hipócrita (que aplaude na frente para depois meter o malho por trás), mas a maioria vai na onda e o aplauso se banaliza.
Vi recentemente uma peça no Rio que tinha um ótimo texto (“Esplêndidos”, de Jean Genet), mas que foi simplesmente arrasada por uma turma de atores que havia saído das academias de malhação, passando rapidamente pela telinha da tevê, para cair de pára-quedas no palco do CCBB. Até o excelente Nelson Xavier parecia estar sem a menor paciência de aturar aquela turma e tropeçava no texto, chamava dois personagens pelo mesmo nome, um desastre, enfim, salvo apenas pelo excelente texto, repito, e pelo cenário. Ao fim da peça foram aplaudidos de pé. De pé!
Outro dia, fui ao maltratado Teatro Dulcina para assistir a uma bela apresentação de “Anti-Nelson Rodrigues” e me irritei profundamente com um grupinho de três rapazes atrás de mim, que não paravam de rir de qualquer coisa na peça e ainda cochichavam o tempo inteiro. Por vezes não conseguia ouvir o que os atores diziam, por causa do tititi atrás de mim. Percebi antes da peça começar que eles eram de teatro, pois faziam referência a uma matéria de jornal que publicou uma foto deles. Pois é, futuros atores que não aprenderam sequer a ser platéia. Estamos feitos!
Não é a toa que nos campos de futebol os chutes nas canelas adversárias sejam mais freqüentes do que os belos lances. As torcidas organizadas e muitos dos que estão em volta nas arquibancadas estão mais dispostos à porrada do que a assistir um bom jogo de futebol. Quantas vezes Pelé, Garrincha e outros não foram aplaudidos por torcedores adversários? Quantas vezes uma torcida não vaiou seu time quando jogou muito mal e ganhou em outros tempos?
Quando um time joga mal a torcida não pede talento, pede raça, embora ela muitas vezes não falte. Hoje a única exigência é a vitória a qualquer custo, mesmo que seja à base de pontapés. Os espetáculos só vem piorando, entre outras coisas, porque o público é de péssima qualidade. E a imprensa, que fabrica um ídolo por dia, é a grande responsável por tudo isso. Até porque tem uma intimidade muito grande com o poder.
* Este texto foi escrito provavelmente em 2000, portanto há cerca de 23 anos.
Obs.: a ortografia antiga foi mantida. Fica também como uma forma de protesto contra a mentira deslavada da padronização nos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que certamente favoreceu gente do meio editorial e desgovernamental também (só cumprido e imediatamente adotado pelo Brasil, sil, sil, o acordo foi assinado em 2008 pelo mesmo presidente de agora).
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