quarta-feira, 14 de junho de 2023

EM MEMÓRIA DE SIMON ÂNGELO BERTOLOTO

Em memória de Simon Ângelo Bertoloto

Se há alguém aí do outro lado do texto, certamente estará se perguntando: quem é Simon Ângelo Bertoloto? Um morador de rua, respondo. Foi, pois como fiquei sabendo ontem no perfil do Instagram de um deputado estadual em quem voto desde que cheguei a Florianópolis há 4 anos, Simon faleceu de hipotermia na segunda-feira, dia 12. Tinha entrado na rede social para desativá-la, assim como fiz com outras, e recebi de cara a chocante notícia que não pude ignorar, de jeito algum.

Ele vivia à porta do Johrei Center do Centro da cidade, na Rua General Bittencourt, e depois de o cumprimentar algumas vezes, assim como a outros que ali ficavam, numa segunda-feira há um mês e meio ou mais (o tempo veloz, furioso, fugidio me deixa cada vez mais perdido), Simon me pediu que orasse por ele. Eu respondi que faria isso sempre, entrei e cumpri a partir de então. Ali e em casa.

Primeiramente ofereci um Johrei. Aceitou, então fiz a oração com e para ele ali mesmo onde dormia e passava, creio, o dia inteiro. Conversamos um pouco e ele me disse que era de Santa Rosa (RS). Sabendo que era gaúcho e, como vestia uma camisa de manga comprida azul, brinquei dizendo que ele devia ser gremista, mas respondeu que não, era torcedor do Internacional. Quando o informei de que eu também não era daqui (de Santa Catarina), mas que agora, há 4 anos, passara a ser, ele me surpreendeu com um sorriso da mais pura alegria e estendeu a sua mão direita em direção a que eu ministrava o Johrei. Deu pra sentir sua mão grossa, da roça e ou da rua.

Quando encerramos, voltei a entrar e, quando saí para ir embora, ele me pediu algo para comer e comprei uma quentinha e um suco para matar um pouco a sua fome. Pedi em troca que mantivesse o local em que vivia o mais limpo possível e, imediatamente, foi para o outro lado da rua comer o seu almoço. Uma semana depois voltei ao Johrei Center com um casaco e uma camisa do Inter para lhe dar, pois havia pedido roupas também. Quase me esqueci, já estava no ponto do ônibus quando me lembrei. Voltei em casa para pegar os presentes, pois de alguma forma sabia que não teria outra chance de encontrá-lo, o que se confirmaria. 

Esquecido que havia me falado que era torcedor do Colorado, ao receber a camisa pareceu querer me dizer: "como você sabe o meu time?". Agradeceu as vestimentas e, posteriormente, vi que as vestiu logo. Na saída, eu me despedi e ele, sentado no chão de sempre, encostado na parede, me pediu algo para comer, mas recusei: "Vou ficar lhe devendo esta, desta vez". Ele me olhou com uma expressão triste, baixou a cabeça e é a imagem dele que não gostaria de ter em minha memória. É também uma infeliz ironia saber que lhe dei um casaco e tenha falecido de hipotermia.

Talvez este texto fique aqui esquecido e seja um símbolo do que foi Simon e tantos, tantos, tantos outros que vivem nas ruas e são desprezados ou feitos para uso político. Anônimos, sem título de eleitor, sem documentos, sem identidade, sujos, famintos, drogados, bêbados, porém, de acordo com as circunstâncias, úteis ou inúteis para oportunistas egocêntricos indiferentes.

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