Leônidas com sua marca registrada, a bicicleta, em jogo do São Paulo, no Pacaembu, nos anos 40 |
Enquanto Jorge Goulart deixa o palco, depois de cantar o Hino
do Bonsucesso, o papo retorna, com o Diamante Negro na berlinda.
Sobrenatural de Almeida: - A bicicleta, lance que ajudou a
consagrar o Leônidas, teve a minha contribuição, claro.
Coro: - Claro!
Sobrenatural de Almeida: - Na primeira rodada do Campeonato Carioca de 1932,
mais precisamente no dia 24 de abril, resolvi ir ao antigo Campo da Estrada do
Norte, hoje Estádio Leônidas da Silva, ex-Teixeira de Castro, que é o nome da
rua onde fica o Bonsucesso Futebol Clube.
Ceguinho Torcedor: - Naquele dia eu estava nas
Laranjeiras e vi o Fluminense empatar com o Bangu, em 2 a 2.
Sobrenatural de Almeida: - Pois então, naquele mesmo dia, o Bonsuça recebia o
Carioca, time que fez muito sucesso no futebol de salão muitos anos depois, mas
que no campo era saco de pancadas. Já tinham me falado desse Leônidas e fui lá
pra ver se ele era aquilo tudo mesmo. Numa bola alta na área, o craque estava
de costas pro gol e de repente deu aquele salto inesperado e chutou, com o
corpo paralelo ao chão no ar. Uma coisa estranha daquela merecia o gol e dei
aquela ajudinha pra bola ganhar as redes. Foi o primeiro gol de bicicleta da
História.
João Sem Medo (rindo muito):
- Ainda bem que você achou estranho e não bonito. Se achasse bonito, era capaz
de desviar a bola pra fora.
Todos riem muito.
Veja também:
Idiota da Objetividade: - O paulista Petronilho de Brito
reivindicava pra ele a invenção da bicicleta no futebol. Chilenos, argentinos e
italianos também diziam que compatriotas seus é que teriam inventado a jogada.
Ceguinho Torcedor: - Bobagem, Idiota. Leônidas da
Silva mesmo nunca quis se vangloriar como inventor, mas como aquele que
difundiu a jogada. Ele, um craque brasileiro, é que mostrou a jogada pro mundo.
Eu vi! Ou melhor, eu senti e sei. O mundo todo sabe.
De repente, eis que de repente, entra no Além da Imgainação,
ele, o Diamante Negro.
Todos: - Leônidas!
É ovacionado e levado ao palco, com a imagem de um gol de bicicleta seu, feito especialmente para o filme “Suzana e o presidente”, de 1951, no telão.
Todos vibram com o gol como se tivesse
ocorrido naquele momento, num jogo de verdade.
Leônidas da Silva: - Obrigado. Esse aí não foi de verdade, foi pra um filme.
Mas ficou bonito. O Ceguinho está certo, ouvi o que ele disse. Eu posso me
considerar talvez o homem que difundiu a bicicleta, porque fazia com mais
constância esses lances e talvez tivesse sido mais feliz, mas não tenho a
veleidade de ser o criador, o autor, do lance de bicicleta, não.
Ceguinho Torcedor: - Leônidas, você pode nos contar como foi aquele gol de
meião na Copa de 38?
Leônidas da Silva: - No segundo tempo do jogo com a Polônia, o campo pesado,
com a chuva que caiu, barro, acabou a chuteira ficando uma boca de jacaré.
Descolou a sola da parte superior e eu não podia ficar com aquilo. Então, tirei
e joguei fora a chuteira e comuniquei ao técnico pra arrumar outra. Mas eu
tenho um pezinho delicado, tamanho 36, então não foi fácil encontrar na Europa
um tamanho desse, nem mesmo na minha equipe. Pediram a um dos garotos,
gandulas, que apanham a bola fora do campo, uma botina daquelas até que
encontrei uma 38. Acabei jogando com ela.
Garçom: - Marcelinho Carioca podia estar lá naquela época.
Leônidas da Silva (rindo): - Verdade, ele calça a mesma coisa, né?
Alguém na plateia: - Marcelinho calça até menos, 35.
Leônidas da Silva: - Ih, então ia ficar apertado. (ri). Ou melhor, mais
largo ainda, com a botina que arrumaram pra mim. Mas antes que eu conseguisse
uma chuteira, ia ser cobrada uma falta contra a Polônia e eu fiquei “desuniformizado”.
Chovia, o juiz não se apercebeu. Nós não tínhamos meia branca, na época jogávamos
com meias pretas. Então, com a lama também, o juiz não tenha observado. As
chuteiras também tinham a cor escura, e eu fiquei na jogada, a bola bateu na
barreira e eu aproveitei o lance e fiz o gol.
Ceguinho Torcedor: - Que maravilha!
Todos aplaudem.
Veja também:
João Sem Medo: - E por que você não pôde jogar contra a Itália, Leônidas?
Leônidas da Silva: - João, houve muita conversa de bastidores e que o Pimenta
queria me poupar pro jogo contra a Itália, não sei o quê.
Idiota da Objetividade: - Só pra esclarecer pra quem não sabe: Ademar Pimenta
era o técnico da seleção brasileira na Copa de 38.
Leônidas da Silva: - Isso mesmo, “seu” Idiota. Então ele me lançou no jogo
contra a Tchecoslováquia, quando me contundi e não pude jogar contra a Itália.
Mas não foi nada disso, não. O sistema do campeonato do mundo naquela época era
eliminatório desde o início, jogou, perdeu, cai fora. Jogamos contra a Polônia,
decidimos na prorrogação, ganhamos de 6 a 5. Jogamos contra a Tchecoslováquia e
tivemos que realizar dois jogos, porque nem na prorrogação decidiu. Aí, duas
horas de futebol e terminou empatado. Então houve praticamente um terceiro
jogo, que foi quarenta e oito horas depois. O Pimenta não tinha centroavante
porque o meu reserva não tinha condição de jogo, era o Niginho. Ele estava
inscrito pela Federação Italiana, considerado jogador italiano e,
equivocadamente, o Brasil levou o Niginho pra Copa do Mundo.
João Sem Medo: - Como sempre a cartolada fazendo bobagens, sem conhecer o
mínimo, que é o regulamento da competição.
Leônidas da Silva: - Mas acreditando que eu pudesse jogar todas as partidas. Houve
um princípio de lesão na partida em que jogamos duas horas. Aí o Pimenta disse:
“Não adianta poupar você, porque se for poupar você pro jogo contra a Itália,
na quinta-feira, se nós perdermos na terça-feira, não vamos jogar contra a
Itália. Então vamos correr o risco”. Então eu joguei na terça-feira, contra a
Tchecoslováquia, e não tive condição de jogar na quinta-feira.
João Sem Medo: - O Pimenta agiu certo, até porque naquela época não havia
substituição.
Leônidas da Silva: - É
isso. Muito obrigado a todos, foi só uma passada rápida a convite do Zé Ary.
Abraços.
Garçom: - Muito
obrigado, “seu” Leônidas. Mas antes que o senhor vá embora. Queria chamar ao
palco novamente Carmen Miranda para cantar uma música da Copa de 38.
Leônidas
recebe Carmen Miranda no palco, a cumprimenta, deixa o palco e se senta ao lado
para assistir à apresentação. A plateia aplaude Leônidas e Carmen, de pé.
Esta série é uma homenagem especial a João Saldanha e Nelson Rodrigues e também a Mario Filho e muitos dos artistas da música, da literatura, do futebol e de outras áreas da Cultura do nosso tão maltratado país.
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