Sobrenatural de Almeida: - Em Bangu a torcida era
enfurecida. Foi lá que nasceu a expressão “ganha, mas não leva”, depois que
criaram o troféu João Ferrer.
Idiota da Objetividade: - João Ferrer era um
espanhol, dono da fábrica Bangu.
Sobrenatural de Almeida: - Pois é. Se o Bangu
perdia, o time adversário era corrido até o trem e os jogadores tinham de ir
deitados pra não levar as pedradas que estilhaçavam os vidros do trem. Ou seja,
eles podiam ganhar, mas não levavam a taça. (solta sua risada medonha) hahahaha
João Sem Medo percebe a entrada no palco de um velho conhecido seu, dá um sorriso maroto, mas fica prestando atenção na conversa.
Ceguinho Torcedor: - É, mas o meu Fluminense, como sempre
muito fidalgo, levava para os banguenses uma corbeille, como se falava
naquele Rio afrancesado da época, e saía de lá com a taça sem problemas.
João Sem Medo (com um olho no palco
e outro nos amigos à mesa): - O Botafogo
não levava a corbelha de flores e tinha sérios problemas pra sair do antigo
campo do Bangu, na Rua Ferrer, que ficava bem perto do atual, em Moça Bonita.
Idiota da Objetividade: - Oficialmente, a Taça João
Ferrer foi disputada apenas em 1907 e 1911, ambos os torneios vencidos pelo
Bangu.
João Sem Medo: - Mas estes torneios foram disputados apenas
com clubes do subúrbio. Daqueles times, só o Bangu ainda disputa campeonatos
profissionais.
Idiota da Objetividade: - Em 1907, jogaram também
Esperança, Brasil e Cascadura. Em 11, o Cascadura não disputou, só os outros.
Mesmo assim, o Esperança não compareceu aos dois últimos jogos e perdeu por WO.
João Sem Medo: - O Botafogo certa vez levou prum jogo em
Bangu um segurança chamado Manuel Motorneiro. Mario Filho conta essa também no
livro “O negro no futebol brasileiro”. De revólver em punho, Manuel ficou à
frente do barracão, como eram os vestiários daquela época, onde estavam os
jogadores do Botafogo, depois de uma vitória sobre o Bangu.
Sobrenatural de Almeida: - Que
sururu em Bangu! Hahaha
João Sem Medo: - Ninguém
saía de dentro, enquanto a polícia não chegava. A multidão enfurecida
aguardava, sem avançar, por causa do revólver do Manuel, branco pobre que não
podia jogar no time, mas podia salvá-lo dessas situações. A polícia veio, os
jogadores alvinegros, alguns brancos de medo, saíram protegidos pelos policiais
e Manuel Motorneiro. Porém, quando chegaram ao trem tiveram de se abaixar,
porque ao primeiro sinal de partida, as pedras voaram na direção deles, mesmo
com a presença da polícia e do revólver de Manuel Motorneiro.
Veja também:
Garçom: -
Senhores...
João Sem Medo: - Meus
amigos, o Zé Ary está aqui porque tem uma grande atração no palco.
Garçom: - É
verdade, seu João. Sem querer interromper a conversa, que está muito
interessante. (a todos) Senhoras e senhores, com muito prazer, gostaria
de anunciar a presença de Gonzaguinha no palco do Além da Imaginação!
Gonzaguinha (agradece
os aplausos): - Muito obrigado. Muito obrigado. Vou cantar uma música que
vai fazer uma boa tabelinha com o papo dessa
ilustre mesa onde está o João Sem Medo e o Ceguinho Torcedor. É um grande prazer,
aliás. Os outros dois senhores, me desculpem, não os conheço, mas agradeço
pelos aplausos.
Sobrenatural de
Almeida: - Você já me viu em ação em alguns jogos do teu Vasco,
mas não pôde me reconhecer, me ver em pessoa.hahaha Sobrenatural de Almeida, às
suas ordens.
Idiota da Objetividade: - Não
tem importância, nós conhecemos muito você e gostamos muito das suas músicas.
Gonzaguinha: - Muito obrigado, mais uma vez. Prazer. Vamos, então, de “Geraldinos e arquibaldos”.
Todos aplaudem muito.
Gonzaguinha agradece e continua no palco. Conversa descontraidamente com os
músicos que o acompanharam, enquanto o papo prossegue.
João Sem Medo: Muito
bom!
Ceguinho Torcedor: - Verdade, João, muito bom mesmo. Olha, voltando
ao assunto, nas Laranjeiras recebíamos clubes de fora, como o Palmeiras da
Floresta, que deu origem ao São Paulo Futebol Clube, e havia baile de gala na sede
das Laranjeiras. Inesquecíveis bailes. Para vencedores e vencidos.
Sobrenatural de Almeida: - Pixinguinha tocou muito
nesses bailes no salão nobre das Laranjeiras. (grita com sua voz roufenha em
direção a Pixinguinha) Não é Pixinguinha?
Pixinguinha (de
sua mesa ao fundo do restaurante, com os outros Batutas): - Verdade. Eu e
essa turma aqui também (fala se referindo aos outros Batutas que estavam à
mesa com ele).
Sobrenatural de Almeida faz um
sinal de positivo para Pixinguinha, que retribui.
Veja também:
Sobrenatural de Almeida: - Em campo, a elegância do
goleiro Marcos Carneiro de Mendonça é que chamava a atenção de todos.
Ceguinho Torcedor: - Havia uma canção que a garotada tricolor
daquele tempo sabia de cor e salteado: “O “refe” apita. A linha avança. O Fluminense
não dá confiança”.
João Sem Medo: - “Refe” é como os brasileiros passaram a
chamar o juiz, referee, em inglês.
Sobrenatural de Almeida: - Com o tempo, as rivalidades
foram se acirrando, as gozações dos torcedores aumentando, e o baile ou festa
passou a ficar restrito apenas aos vencedores. Os vencidos iam pra casa com a
cabeça inchada.hahaha
Ceguinho Torcedor: - Presenteei muito flamenguista e
botafoguense com um chapéu com número maior pra caber na cabeça inchada deles.
Hahaha
João Sem Medo: - Tinha um botafoguense, chamado Paulo
Lira... essa quem me contou também foi o Mario Filho... que, quando o Botafogo
vencia, botava encaixado no chapéu de palha um papelão com o placar do jogo bem
grande e ia assim na segunda-feira pras estações de bondes esperar escondido
atrás de uma coluna um amigo do Fluminense ou do Flamengo. Quando algum deles
aparecia, Paulo Lira saltava em cima do amigo sem o largar.
Risada geral no bar.
Sobrenatural de Almeida: - Assombroso,
o Paulo Lira, assombroso. hahaha
Ceguinho Torcedor: - É, mas quando o Botafogo perdia, ele
sumia. E nós íamos atrás dele.
Todos caem na gargalhada de novo. Inclusive
Gonzaguinha, que passara a prestar atenção na conversa.
Gonzaguinha: - Olha,
essa história me lembrou uma composição minha que eu não cheguei a gravar e fez
sucesso com o MPB-4. Então, vou chamar dois grandes amigos, Ruy e Magro, pra
cantarem comigo “Se o meu time não fosse o campeão”. Sejam bem-vindos, Magro e
Ruy.
Os dois cantores que fizeram parte da primeira formação do MPB-4 vão ao palco, abraçam Gonzaguinha, cumprimentam os músicos e agradecem os muitos aplausos da plateia.
Gonzaguinha, Ruy e Magro são ovacionados, agradecem e deixam
o palco.
Fim do Capítulo 5
Esta série é uma homenagem especial a João Saldanha e Nelson Rodrigues e também a muitos dos artistas da música, da literatura, do futebol e de outras áreas da Cultura do nosso tão maltratado país.
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