Não há novidade alguma - o que não impede de continuar sendo repugnante - o fato de políticos no poder buscarem popularidade em clubes de futebol. Ainda mais quando as avaliações de seus trabalhos (ou a falta deles) andam em baixa e o clube tem uma imensa torcida e vem de uma vitória importante. Portanto, o que o atual presidente fez há poucos dias ao visitar o treino do Flamengo, em Brasília, ilustra bem o caso acima.
O mais aterrador é o clube, ou melhor, seus atuais dirigentes e jogadores, aceitarem de bom grado a (que pelo menos deveria ser) incômoda visita. Afinal, além do contínuo desrespeito a todas as regras para se evitar a transmissão do corona vírus (e ainda ser garoto-propaganda de remédios comprovadamente ineficazes e em alguns casos maléficos), o desmandatário deste país é um notório defensor da tortura e exalta como herói nacional um sádico torturador (seu vice concorda plenamente), tendo inclusive feito impunemente uma declaração pública neste sentido dentro do Congresso Nacional durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff.
Um clube como o Flamengo, que teve um atleta de remo morto sob tortura durante a ditadura militar de 1964 a 1985, da qual o capitão no poder é um entusiasta, jamais deveria aceitar sequer proximidade com um ser como este. Porém, não foi a primeira vez. Toda vez que o Flamengo vai a Brasília, ele se encosta e os dirigentes rubro-negros se empinam alegremente, com toda subserviência. Stuart Angel, filho de Zuzu Angel, outra que foi assassinada pelos militares que estavam no poder na década de 70, foi remador do clube e chegou a conquistar um bicampeonato carioca. Mas para o Flamengo de hoje isso não tem a menor relevância.
Abro um parêntesis aqui para deixar claro que não concordo, a e em princípio, com nenhuma luta armada, e defendo que crimes devam ser punidos de acordo com suas proporções previstas em lei, mas jamais, em tempo algum, com tortura (com ou sem assassinatos). Muito menos com as que Stuart sofreu e que não vou relatar aqui por serem deprimentes demais. Quem quiser saber é só pesquisar. Isto é uma questão de dignidade humana, de valor pessoal, vem muito, muito antes de política.
Por essas e muitas outras (as atitudes em relação às mortes dos Garotos do Ninho em destaque), eu já vinha me afastando do Flamengo e do futebol, mais ainda quando o clube se tornou aquele que mais forçou o retorno aos jogos durante a pandemia. Continuei torcendo pelo clube, mais por hábito do que com o coração, e acompanhei tudo de longe, sem ouvir ou ver um jogo sequer desde março do ano passado. Agora, com mais esta aproximação indecente com o atual presidente, que por sua inépcia ou maldade mesmo, tem gigantesca responsabilidade pelas (atuais) quase 220 mil mortes pela Covid-19, fico ainda mais longe disso tudo. Continuarei acompanhando o noticiário, mas meu coração ficará bem distante.
Momento Jogada de Música
Esta relação do podre poder com o Flamengo não é de hoje, claro. Um dos ídolos do atual presidente, Emilio Garrastazu Médici, se dizia torcedor do clube da Gávea, e isso foi motivo para os irmãos botafoguenses Marcos e Paulo Sérgio Valle criarem uma música, chamada "Flamengo até morrer", ironizando este fato de tal forma que muitos encararam na época (1973) como uma homenagem ao Rubro-Negro. Porém, evidentemente, era uma forma de driblar a censura e emplacar uma crítica à fuga que o futebol representava (e ainda representa) para o povo dos seus imensos problemas cotidianos e também um protesto contra os crimes que os donos do poder cometiam por baixo dos panos, sem que nada pudesse ser noticiado. Ouça abaixo.
Esta citação artística acima prova mais uma vez que o projeto Jogada de Música não está morto, apenas está em pausa para recuperar suas forças e no momento adequado voltar a buscar financiamento para viabilizar o documentário, a série para TV, os shows, a exposição multimídia, os debates musicados, programa de rádio, podcast, entre outras possibilidades imaginadas (e até iniciadas), mas ainda não estruturadas. Vida longa ao Jogada de Música!
E para mostrar que o futebol ainda continua correndo em minhas veias, apesar dos muitos pesares, em fevereiro será lançado na versão em papel e digital de "Contos da Bola", pela Cartola Editora. É só aguardar que em breve o livro estará na área e eu vou contar pra todo mundo ouvir. Conto com a sua torcida e leitura. Até breve!
Veja também:
Música e futebol, o Brasil no Primeiro Mundo
O teatro e o futebol
O extremo perigo de se alimentar monstros
A todos os torturados e assassinados durante a ditadura de 64
Cheiro de chumbo no ar
Flademia
Belo comentário, Edu.
ResponderExcluirÉ uma pena que o Flamengo, o clube mais popular do Brasil, se alinhe acriticamente a esse governo tão nocivo ao país.
Obrigado mais uma vez, Ecio.
ExcluirEu lamento ainda mais, por ser o meu time.
Abração, volte sempre.
Futebol caiu por terra, para mim, há algum tempo quando tive a certeza de que tanto a Federação como a Confederação Brasileira são indecorosamente corruptas e colaboraram para essa distopia que vivemos. Flamengo é um desse conjunto. Sem ética e sem nenhum respeito à Democracia. Eu era flamenguista. Até já torci no Maracanã. Mas hoje, diferentemente de você, sem paixões e admirações,nem assisto a mais nenhum jogo, nem da seleção brasileira. Penso ser um esporte nefasto na contemporaneidade. Com tudo, Eduardo Lamas, desejo que você continue produzindo o que há de melhor, pelas suas pesquisas e vivências, como obras à nossa História cultural. Importante termos conteúdos sérios e transformadores.
ResponderExcluirRegina, na verdade, o futebol é um microcosmo do que ocorre no país de uma forma geral. Na verdade, nem é tão micro assim, dada a sua ainda gigantesca popularidade, em que pese a cada pesquisa aumente o número de pessoas que declaram não torcerem para qualquer time e ou que não se interessam por futebol. Continuarei ligado intimamente ao futebol creio que até o último dos meus dias, porém, cada vez com os olhos, o coração e a mente no passado. Até para trazer ao presente a importância do peso cultural que este esporte tem no nosso dia a dia, mesmo no daqueles que nunca se interessaram ou se desinteressaram. E na forma como ele está também em nossas artes, música, cinema, teatro etc. Obrigado pela sua visita e o comentário. Seja sempre muito bem-vinda. Bjs.
Excluir